Com o prazo para limpeza dos terrenos florestais a terminar na próxima semana – dia 15 de março – a prevenção está a ser feita um pouco por todo o país. A prova de fogo está prevista para daqui a menos de quatro meses, com o início da época de incêndios, a 1 de julho.
Até à próxima semana, é obrigatório limpar uma faixa de proteção de 50 metros à volta das casas, armazéns, oficinas, fábricas ou estaleiros e uma faixa de 100 metros à volta das aldeias, parques de campismo, parques industriais, plataformas de logística e aterros sanitários. É também obrigatório que as bermas das estradas estejam devidamente desimpedidas de vegetação e os processos de gestão de combustível concluídos.
Mas a falta de limpeza, sobretudo em zonas próximas das serras, salta à vista. O distrito de Faro é uma das zonas com mais freguesias identificadas pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) como prioritárias, mas basta percorrer o troço que liga Loulé a Tavira para perceber que os trabalhos dificilmente estarão concluídos dentro do prazo-limite. E o mesmo se pode dizer da criação das faixas de 50 metros à volta das casas. Há, sobretudo, graves problemas de gestão de combustível.
Relativamente às responsabilidades de limpeza das estradas, a Infraestruturas de Portugal limita-se a garantir ao SOL: «Relativamente à limpeza das faixas de gestão combustível na rede rodoviária nacional sob jurisdição da IP, este trabalho já teve início».
Não só ao longo da Nacional 2, ou da Nacional 124, mas também ao longo de grande parte das estradas do país, a existência de mato é uma evidência.
Emanuel Oliveira, técnico especializado nas áreas da defesa da floresta contra incêndios, explica ao SOL que este ano até há mais pessoas a limpar os respetivos terrenos. Mas estão a fazê-lo de forma errada. A ideia que as campanhas de sensibilização transmitem é que é necessário cortar todas as árvores à volta das casas, de forma a deixar tudo limpo, mas esta falsa ideia, o que leva os proprietários a cortar árvores que poderiam proteger as suas habitações. «Criar faixas ao redor das casas e dos aglomerados reduz o risco de serem afetadas diretamente pelas chamas, mas não exclui a possibilidade de serem atingidas por projeções, porque a maior parte dos incêndios nas habitações começa por causa das projeções».
Além da criação das faixas, Emanuel Oliveira alerta para um ponto que não está contemplado na lei e que constitui um dos maiores perigos para a época de incêndios do próximo verão. Criar faixas não é suficiente e destruir algumas árvores pode ser prejudicial. Mas, a ausência de legislação para edificações em espaços rurais é também um perigo. «As casas rurais estão a ser todas, devido à legislação de eficiência energética – para termos as casas mais quentes -, revestidas com placas de esferovite com uma leve capa de cimento e, assim, basta uma fagulha para arder uma casa», diz-nos Emanuel Oliveira. O especialista explica que as casas são revestidas de materiais inflamáveis e, perante este cenário, a faixa de 50 metros não irá impedir que as chamas se propaguem caso exista uma projeção do fogo, o que, aliás, é habitual. «Estamos a trazer para os espaços rurais processos construtivos que estão completamente errados, mas não há legislação para os materiais construtivos», refere Oliveira. E deixa uma pergunta: «Como é possível construir casas em madeira em meios florestais?».
O prazo pode ser cumprido?
No ano passado, o Ministério da Administração Interna prolongou o prazo de limpeza dos terrenos, mas este ano ainda não deu qualquer indicação sobre o assunto. Contactado pelo SOL, até à hora de fecho desta edição ainda não tinha sido dada qualquer resposta relativamente ao prolongamento dos prazos.
Emanuel Oliveira está convicto de que é impossível garantir que o prazo seja cumprido pelos proprietários e pelas câmaras municipais. O prazo «devia ser prolongado, porque no norte, por exemplo, é preciso fazer gestão de combustível duas vezes ao ano, porque existe muita humidade e as alterações climáticas fazem com que as plantas cresçam muito», explica. Quanto mais cedo se fizerem as intervenções, mais complicações vão aparecer na altura dos incêndios florestais e, «assim, nunca se consegue cumprir a lei». No entanto, limpar em junho ou julho também não é aconselhável, já que a matéria morta que resulta da limpeza é um fator de risco de incêndio.
Já a Câmara Municipal de Tavira considera que o prazo é curto. «Não sabemos se é boa prática ou não, mas deixa os municípios com um prazo muito pequeno para as limpezas coercivas». Ainda assim, a mesma fonte do município garante: «No ano passado conseguimos, tivemos muito poucos casos, aliás». Tal Emanuel Oliveira, o município de Tavira prevê que a vegetação volte a crescer nos próximos meses que antecedem a época dos fogos.
Já do lado da Câmara Municipal de Nisa, a engenheira Lurdes Mendes garante que o prazo é suficiente e que já decorrem desde o inicio do ano campanhas de sensibilização em parceria com a GNR, tal como aconteceu no ano passado. Em 2018, «os proprietários cumpriram e não foi necessário recorrer aos trabalhos da câmara para limpar os terrenos», garante a vereadora. O seu município gastou no ano passado cerca de 675 mil euros com a prevenção dos incêndios, um valor que deverá manter-se para este ano.