Prostituição está de volta a Monsanto

O número de prostitutas na zona do Alvito, em Monsanto, está a aumentar. Em 2003, Santana Lopes impôs medidas para acabar com a prostituição na zona e até há dois anos eram muito poucas as mulheres que por ali paravam.

Carla (nome fictício) está sentada num pequeno banco de madeira. Tem 64 anos e na mão direita tem um cigarro, que fuma enquanto espera por clientes.  É ali, perto da estrada do Alvito, no Parque Florestal do Monsanto, em Lisboa, que se costuma sentar à espera de carros decidam fazer uma paragem e a abordem. Enquanto espera conversa com a sua colega de lide, que também está ali com o mesmo propósito.

As expressões no rosto de Carla denunciam o pesar da idade e as marcas que o mundo da prostituição lhe deixou. É mãe de dois filhos, que apesar de já serem adultos, continuam a precisar dela. O filho mais velho, que tem mais de 40 anos, ainda mora com ela porque tem uma doença. A isto somam-se as prestações da casa que tem de pagar todos os meses.

«Estou nisto há muitos anos», revelou ao SOL. Já tentou deixar este mundo muitas vezes, mas a vida nunca lhe sorriu. «Não consigo arranjar emprego», explicou, adiantando que há contas para pagar e que precisa de dinheiro.

Para Carla, o dia de trabalho começa por volta das dez horas da manhã. Apanha um autocarro até à zona do Alvito e depois senta-se à espera. Só está ali até à hora de almoço.

Os ponteiros do relógio marcam as 10h30. Até ali o início da manhã tem sido calmo, diz, acrescentando que costuma ter procura. Contudo, nem sempre acontece. «Faço tudo com preservativo», confessa, adiantando que mesmo sem fazer distinção de género, às vezes muitos não aceitam o uso de proteção. Já os preços também não variam muito, geralmente pede entre 15 a 20 euros, mas há clientes que querem sempre pagar menos. «Não baixo o preço», diz.

Nem sempre os dias são calmos e Carla já passou por algumas situações complicadas. Já foi roubada e espancada duas vezes, conta. «Numa das vezes que fui roubada fiquei sem os documentos e as chaves de casa, fiquei sem nada», lembra, adiantando que ficou cheia de hematomas no corpo. Os casos chegaram a tribunal, mas nada foi feito, continua. Carla ainda foi obrigada a pagar os custos do processo, cerca de 300 euros, mas recusou-se a fazê-lo. Não deu em nada.

Ao lado de Carla está Maria (nome fictício). Tem os cabelos encaracolados e ouve com atenção as palavras da mulher mais velha. Com 46 anos, Maria diz que recorre à prostituição quando não está empregada.

Vinda da Nigéria para Portugal há cerca de 20 anos, deixou um filho no seu país natal. Questionada sobre se já pensou em trazê-lo para cá, respondeu com a voz embargada que se ela «não tem documentos, ele também não ia ter». Além disso, não iria ter forma de o sustentar. Maria revela que está sem passaporte e que tem tido muitas dificuldades em aceder aos documentos para estar legal em Portugal. Sem documentos, a contratação para outros empregos torna-se quase impossível e a solução para arranjar dinheiro é prostituir-se.

À semelhança de Carla, também vai para Monsanto de transportes. Cobra o mesmo que Carla e também não abdica do uso de proteção.

As duas contaram ainda ao SOL que às vezes a polícia passa naquele local, tanto de carro como a cavalo, e as mandam sair dali, mas nunca passou disso.

A descer a rua, avista-se um carro que pára junto delas. Carla chega-se perto da janela, mas a tentativa parece ter sido falhada. O condutor depois de falar com Carla não aceita qualquer tipo de negócio e segue o seu caminho.

Ao fundo da estrada há uma paragem de autocarro. Não se vê ninguém, à exceção de Joana (nome fictício), que está sentada no banco da paragem a comer uma laranja. Tem o cabelo pintado de um louro platinado e os olhos azuis. Entre um gomo e outro, fala sobre a profissão.

As palavras vêm acompanhadas por um sotaque carregado que denuncia que não é portuguesa. Ao SOL, Joana conta que veio da Ucrânia para cá há cerca de 19 anos e a droga foi um dos motivos para ter entrado no mundo da prostituição. «Precisava de dinheiro», diz, enquanto mastiga a laranja. «Uma mulher com a ressaca da droga faz tudo», completa com uma voz trémula e uma risada nervosa.

Tem 46 anos e há sete que é prostituta. Quanto a relações familiares, diz serem nulas: é divorciada e não fala com os familiares. «Não estou cá [ em Monsanto] sempre», conclui, acrescentando que os preços dependem dos clientes – que normalmente já são conhecidos seus.

 

Prostituição em Monsanto aumentou?

A realidade de Carla, Maria e Joana é a realidade de muitas outras mulheres. Contactada pelo SOL, Dália Rodrigues, diretora técnica da associação O Ninho – que trabalha diretamente com as mulheres que se prostituem e tenta sensibilizar a sociedade em geral para esta temática –, a assistente social de formação confirmou que a prostituição em Monsanto tem aumentado no último mês: «Há dois anos praticamente não havia mulheres. Ultimamente as minhas colegas dizem-me que realmente aumentou o número de mulheres em Monsanto».

A responsável revela que a prostituição de rua tem aumentado à entrada do Parque do Alvito, mas acrescenta que esta é uma realidade muito volátil: «Tanto está muita gente como de repente desaparecem e voltam a aparecer noutro sítio».

Questionada sobre o panorama português relativamente à prostituição, Dália Rodrigues diz que a perceção que a associação tem é que «a prostituição não diminuiu, antes pelo contrário, provavelmente aumentou», destacando a prostituição em apartamentos, uma vez que os locais típicos de prostituição – como Cais do Sodré, Bairro Alto,  entre outros – estão a ser requalificados e obrigam as mulheres a mudar-se, justificou.

«As casas particulares põem anúncios no jornal e chegamos até elas porque enviamos uma mensagem a disponibilizar o nosso apoio e a nossa ajuda se necessitarem e quando necessitarem», completou.

Entre os locais onde existe mais prostituição na capital destaca-se o Parque Eduardo Sétimo, o Intendente, a Almirante Reis, Margem Sul e os apartamentos que geralmente ficam na zona central, como o Marquês de Pombal, Alvalade, por estarem «disfarçados no meio de escritórios», sinaliza a responsável.

Em 2003, ano em que Pedro Santana Lopes assumia a presidência da Câmara Municipal de Lisboa, foram adotadas várias medidas para combater a prostituição na zona do Alvito. Uma das medidas mais emblemáticas que faziam parte do Plano de Descontração de Monsanto – e que ajudou a reduzir o número de prostitutas naquele local – foi pintar uma faixa amarela que proíbe carros parados ou estacionados na berma da estrada. Contudo, nas últimas semanas o número de prostitutas naquele local voltou a aumentar, sem que tenha havido qualquer medida visível de apoio às mulheres ou de mitigação. Para Dália Rodrigues, continuam a faltar medidas que previnam o que considera ser uma forma de violência sobre mulheres e homens. No final do ano passado, a Juventude Socialista tornou a suscitar o tema da regulamentação da prostituição. Para a associação O Ninho, o caminho não deve passar por aí.