O cocriador Rui Machado lamenta ao Jornal i a desvalorização por parte da comunidade médica da vivência da sexualidade das pessoas com diversidade funcional e defende a assistência sexual como a solução para que muitas dessas pessoas deixem de recalcar a satisfação dessa necessidade
Rui tem uma doença neuromuscular genética e evolutiva. Começou por ser seguido por um pediatra, mas rapidamente ao ser diagnosticado deixou de o ser, passando a ser acompanhado por um especialista de neurologia. À medida que foi crescendo, e chegado à adolescência, nenhum médico abordou nunca a vivência da sua sexualidade, nem mesmo os cuidados a ter relativamente às doenças sexualmente transmissíveis ou à contraceção, por exemplo.
“Enquanto quem não tem doença neuromuscular é seguido pelo pediatra e depois na altura da adolescência a sexualidade é abordada, eu estive completamente abandonado a nível clínico na questão da sexualidade”, lamenta ao i. O i sabe que nada obriga os pediatras a abordar o tema da sexualidade com os pacientes na idade da adolescência; o tema é abordado ou não por decisão do médico, a partir da relação com a família e com o adolescente e consoante a abertura que exista para tal. Nas outras especialidades, isso é ainda mais evidente. Hoje com 35 anos, Rui Machado é um ativista pelos direitos das pessoas com diversidade funcional e sabe que, tal como no seu caso, a generalidade das pessoas com deficiência veem a sua sexualidade esquecida por quem melhor devia esclarecê-las e acompanhá-las. Integra o movimento (d)Eficientes Indignados, que trouxe para a ordem do dia a reivindicação de vários direitos das pessoas com deficiência, e é um dos cocriadores do movimento Sim, Nós Fodemos, que há quatro anos tem vindo a reivindicar o direito à sexualidade das pessoas com diversidade funcional.
“Começámos por fazer uma pesquisa daquilo que é feito lá fora, uma vez que não precisaríamos de inventar nada se houvesse um trabalho bem feito lá fora”, recorda o ativista, psicólogo de formação. O grupo encontrou então o documentário “Yes, We Fuck” do ativista espanhol António Centeno e decidiu abordá-lo. “Gostámos muito do trabalho dele e da sustentação teórica e contactámo-lo à procura de orientações sobre como desmistificar a sexualidade na deficiência no âmbito do nosso movimento”, explica Rui Machado. Para o ativista, existem diversos preconceitos sobre o tema, que se explicam pela ausência de informação, uma falha que o movimento também pretende colmatar. O objetivo primordial? “Melhorar os afetos e a sexualidade das pessoas com diversidade funcional”. Para isso, os criadores do Sim, Nós Fodemos estabeleceram, por exemplo, protocolos com sexshops para que as pessoas com deficiência pudessem ter descontos em alguns artigos.
Tudo pequenos passos até ao derradeiro propósito deste grupo de ativistas: chegar a um modelo de assistência sexual. “Em Portugal, ao nível do apoio à pessoa com diversidade funcional não é entendida a pessoa como um todo. A dimensão da sexualidade é absolutamente negligênciada e não há previsão de que isso possa vir a mudar”, refere Rui. O i procurou junto do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social esclarecer se não existem, de facto, respostas direcionadas não só para a vivência da sexualidade por parte destas pessoas, mas também para a sua educação sexual, que lhes possibilite a satisfação de uma necessidade básica independentemente dos obstáculos que as suas limitações possam ser. A resposta não chegou até ao fecho desta edição.