Como é que um local de diversão que todas as crianças sonhavam visitar se transforma, no espaço de poucos dias, num lugar maldito?
Cristina Caldas, de nove anos, tinha ido passar um dia de diversão pura quando a família a perdeu de vista. Quando os portões do Aquaparque se fecharam naquela noite de 27 de julho de 1993, ninguém sabia do seu paradeiro. A família e as autoridades colocaram todas as hipóteses – incluindo a de rapto – e foram divulgados cartazes com a sua fotografia.
Quarenta e oito horas depois, outro desaparecimento: Frederico Mendonça, também de nove anos, cujo pai era um emigrante que tinha vindo de férias a Portugal e quisera agradar ao filho com uma visita ao parque aquático. Seria apenas uma terrível coincidência? Na madrugada do dia 30 de julho, após buscas sistemáticas, os corpos das duas crianças foram encontrados: tinham sido sugadas por dois tubos diferentes que não possuíam redes de proteção. Ambas as mortes tinham ocorrido não nos escorregas mais rápidos e inclinados, mas numa das piscinas aparentemente mais inofensivas e tranquilas do parque aquático.
A notícia do aparecimento dos cadáveres foi recebida com revolta por parte dos populares, que se envolveram num protesto violento. À procura de explicações junto da administração do Aquaparque, forçaram a entrada no recinto do parque aquático, arremessaram pedras e partiram vidros. A fúria dos protestos obrigou a polícia a intervir.
Enquanto em Portugal a informação da SIC – que foi criada nesse mesmo ano – ganhava visibilidade ao acompanhar a par e passo os desenvolvimentos deste caso, com Alberta Marques Fernandes a ganhar protagonismo, lá fora o caso também não passou despercebido. Na altura, o jornal ABC fez notícia com o que se tinha passado em Portugal. «Duas crianças morrem num parque aquático em Lisboa em apenas 48 horas», noticiava. O jornal notava que as duas crianças tinham morrido «num parque aquático no Restelo, um dos bairros mais elegantes de Lisboa». Na mesma peça, o jornal espanhol falava também dos desacatos causados pelos populares. Estes «eventos causaram consternação em toda a cidade. Um grande grupo de pessoas na madrugada de ontem exigiu explicações dos responsáveis das instalações, resultando em distúrbios que obrigaram à intervenção das forças de segurança».
Em declarações à SIC, o administrador do aquaparque, Vítor Matias, tinha garantido que não havia quaisquer problemas com as redes por onde passava a água.
Já o ministro do Comércio e Turismo de então, Faria de Oliveira, justificou a tragédia com as condições de vigilância e funcionamento das instalações do parque.
Curiosamente, um ano antes da tragédia, os técnicos da Direção Geral dos Espetáculos tinham dado nota positiva às instalações. Mas a avaliação não era consensual. Pelo contrário, a DECO havia classificado as condições de segurança daquele parque como medíocres e a revista Proteste considerava o parque aquático do Restelo um dos piores no que dizia respeito esse capítulo. A DECO Proteste chegou mesmo a pedir ao Governo para que fosse criada uma legislação para regulamentar a construção e fiscalização daquele tipo de instalações.
Após a morte das crianças, viria a ser aberto um inquérito para se apurarem responsabilidades e o parque viria a ser alvo de novas inspeções, processo que acabaria com o desfecho inevitável – o encerramento.
Pais interpõem processo judicial
O processo judicial interposto pelos pais das vítimas arrastou-se quase durante dez anos nos tribunais. Mas terminou da forma esperada: os administradores e técnicos do parque aquático foram acusados de homicídio por negligência. O Estado também não ficou isento de responsabilidades. Dada a inexistência de qualquer tipo de legislação para regulamentar o funcionamento deste tipo de parques aquáticos, foi condenado ao pagamento de uma indemnização de 120 mil euros aos pais de Frederico Duarte. O Ministério Público recorreu da sentença, mas o Tribunal da Relação voltou a dar razão à família da vítima. Desta vez, a culpa não morreu solteira.