Esta frase foi fotografada pela Francisca e trata-se de uma citação de Almada Negreiros: «A alegria é a coisa mais séria da vida». É uma frase curiosa, que faz parte de um discurso que Almada Negreiros proferiu a convite de Amélia Rey Colaço, a 9 de junho de 1932, no atual Teatro Nacional D. Maria II, pouco tempo após o seu regresso de Espanha, onde viveu desde 1927.
Diz Almada Negreiros: «Fomos instados pelas mais cavalheirescas pessoas da nossa terra para que trouxéssemos aqui à nossa gente alegria a rodos, coragem aos potes, tanks de felicidade, transatlânticos de entusiasmo, e a nossa resposta foi esta: Alegria sim. Faremos todo o possível. Mas que não confundam a alegria com o riso. O riso é a expressão das caveiras. E a alegria é, para os vivos, a coisa mais séria da vida! Alegria é saber muito bem por onde se vai, é ter a certeza de que o caminho é o bom, que a direção é a única.» E esta citação é particularmente acutilante por considerar a alegria um assunto sério. E é bem verdade que o é.
Diz, a propósito da alegria, Tolentino Mendonça: «O que exaspera a nossa vida é o sentimento de falta, de nunca conseguirmos. Falta sempre alguma coisa, nunca nada é perfeito, nunca nada está acabado, nunca nada está resolvido. Falta-nos sempre um instrumento: se temos o poço, falta-nos a corda; se temos a corda, falta-nos o balde; se temos a corda, o balde e o poço, falta-nos a força de ir até ao fundo da nascente buscar a água que nos dessedente. Falta-nos sempre alguma coisa. Nessa narrativa espiritual tão intensa que é O Principezinho, de Saint-Exupéry, ele explica que não nos falta nada. Não nos falta nada. Já está tudo. Cada um de nós tem tudo o que precisa para experimentar hoje, no aqui e no agora, a alegria. Temos tudo o que precisamos.»
O nosso problema é o da perspetiva. Olhamos normalmente o copo meio vazio em vez de olharmos o copo meio cheio. Por isso, vemos o que nos falta em vez de vermos o que temos. E o que temos é exatamente aquilo de que necessitamos para sentirmos alegria.
Habituámo-nos a olhar para a vida, para aquilo que somos ou aquilo que temos, para aquilo e aqueles que estão à nossa volta, como se procurássemos identificar o que falta, em nós, nos outros, nas coisas; aquilo que, se tivéssemos, nos poderia proporcionar a alegria de nos sentirmos completos. Mas não precisamos ser completos para sentir alegria. Temos de procurar a alegria olhando para dentro – para aquilo que somos, para aquilo que os outros são, em si mesmos ou para nós. Só olhando para o que há e não para o que falta, mesmo, como diz Gastão Cruz, no «desconcerto incrível dos meus dias», é que podemos sentir alegria. E esse sentimento é, como diz Almada Negreiros, a coisa mais séria da vida.
Termos a certeza, como diz o autor e artista neste discurso, de que o caminho que seguimos é bom é a maior alegria que podemos sentir, porque essa é a alegria de viver, aquela que nos permite, aqui e agora, dizer que somos felizes ou, não o sendo, aproveitarmos a vida e os momentos de alegria que nos proporciona.
Diz a poetisa Cláudia R. Sampaio: «Porque pior que a desdita loucura / é toda a gente andar em brasa / mas ninguém chegar a incêndio // E no fim são todos cinza». Andar por águas tépidas, por meias tintas, pela mediania, permite-nos ir passando «por entre os pingos da chuva». Não nos molhamos, é certo. Mas também não sentimos verdadeira alegria. Não chegamos a senti-la porque, muitas vezes, sem saber, a evitamos. Procurando mais, acabamos por ficar com menos. Dando menos de nós, acabamos também por ficar com muito menos. Porque é preciso, sempre, dar mais.
Maria Eugénia Leitão