A nova ministra da Saúde, que o consórcio Costa e Centeno desencantou para repetir a cassete do ‘SNS forever’, tem tido um desempenho notável em matéria de incidentes políticos. Da guerra surda com os enfermeiros, à subtileza pombalina de ‘cuidar dos vivos e enterrar os mortos’, passando pelo caso da ADSE ou pela mentirola dos 500 euros ‘à hora’ dos anestesistas, facilmente se percebe que Marta Temido tem poucas aptidões políticas que se lhe recomende e foi mais um claro erro de casting deste Governo. Não existe por ali um assomo de reformismo, de coragem, de visão estratégica para o setor. O que se assiste é a puro imediatismo, discurso redondo ou superficial e parlapatice ideológica, que tanto alimenta as almas carentes do progressismo. Só mesmo a clássica brandura dos media em tempos de governação socialista – agora já não se ‘destrói’ ou ‘desmantela’ o SNS… – e o facto de haver eleições daqui a uns meses, justificará a manutenção daquela individualidade no cargo.
O que choca verdadeiramente nesta forma de estar – e que não é exclusiva da atual titular da pasta, antes se repete sempre que o PS governa – é que não existe qualquer preocupação concreta em oferecer aos cidadãos um bom serviço público de saúde. Um serviço eficaz, bem organizado e sustentável. Resiliente que chegue para dar resposta àquelas que são as necessidades concretas dos utentes: ter acesso a consultas e cirurgias no mais curto espaço de tempo.
Neste momento, o sistema público é uma manta de retalhos, com hospitais tecnicamente falidos, dívidas a fornecedores ao nível do período pré-troika e carências de toda a espécie, dos medicamentos aos exames de diagnóstico. Falta tudo e um par de botas, mas a doutora Temido e o doutor Costa mantêm-se irredutíveis na falácia do investimento público reforçado, depois da ‘reposição’ dos salários e das 35 horas de trabalho.
Perante este cenário, emerge uma discussão absolutamente lateral e distante às preocupações dos portugueses, como é o caso da Lei de Bases da Saúde. Pergunta o leitor: mas o que é isso de uma lei bases? Respondo: é um conjunto de princípios – as bases – suficientemente genéricos e abrangentes para que cada Governo seja capaz de construir, a partir daí, a sua política para o setor. Como é fácil de compreender, é uma lei que clama por consenso e concordância entre os principais partidos, como de resto tem alertado o Presidente da República.
Infelizmente, sentido de compromisso é expressão proibida no país da ‘geringonça’ e qualquer tentativa de o alcançar resulta numa irremediável trincheira ideológica. De um lado estão os bons, da esquerda, que se apresenta como provedora dos direitos e defende cegamente um serviço público, mesmo que falido e imprestável para os cidadãos; do outro lado, os maus, da direita, que há 40 anos lhes vêm colado o rótulo de estarem a desmantelar o SNS e a fazerem o setor privado prosperar.
A doutora Temido cavalga esta retórica e, uma vez que há pouco que fazer no Ministério da Saúde, anda em digressão pelo país a defender a tal Lei de Bases capaz de – desta vez é que vai ser – salvar o SNS, descobrir a cura para o ébola e salvar os oceanos.
Em sessões de ‘porta fechada’, vedada a militantes socialistas e utentes da ADSE, lá vai discorrendo sobre os benefícios da coisa e deixando no ar críticas mais ou menos veladas aos partidos da direita, aos médicos, aos malvados dos enfermeiros e aos grupos privados da saúde – menos, claro está, a Cruz Vermelha, onde foi administradora. Quem não entra no discurso da ministra são os contribuintes, que para efeitos práticos são o acionista principal deste empreendimento, mas pouco ou nenhum dividendo obtêm em troca. Continuam a não ter possibilidade de obter uma consulta de oftalmologia com menos de dois anos de espera, mas, na perspetiva do Governo, vão ter uma maravilhosa lei de bases para lhes tratar da saúde. De facto, não se pode ter tudo. Ou então, vivemos no país em que cada um tem aquilo que merece.
Presidente da Câmara Municipal de Espinho