Imane Fadil. Há mortes convenientes

Calou-se para sempre Imane Fadil, a modelo marroquina que foi uma das vozes ativas do processo Rubygate, o escândalo sexual que envolveu o ex-primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi. As causas da morte estão a ser investigadas.

Imane Fadil. Há mortes convenientes

Morreu no primeiro dia do mês, mas só passadas duas semanas é que o anúncio foi feito ao mundo. Imane Fadil, a modelo marroquina de 33 anos, que era uma testemunha chave no caso Rubygate, morreu em circunstâncias muito pouco claras.

No passado dia quinze de março veio a público a notícia da sua morte, depois de ter dado entrada no hospital de Milão cerca de um mês antes, queixando-se de fortes dores de estômago. Pouco antes de morrer, revelou a amigos e ao seu advogado ter a certeza de que tinha sido envenenada, facto que (ainda) não foi confirmado. O procurador chefe de Milão, Francesco Greco, adiantou à agência Reuters que «os médicos não identificaram com certeza nenhuma patologia que possa explicar a morte» da modelo, mas revela que algumas «anomalias» foram encontradas no organismo de Fadil.

Uma série de ‘jantares elegantes’ chamados ‘Bunga Bunga’

Com a cidade de Milão sempre como eixo central da sua exposição mediática, Imane Fadil foi uma frequentadora assídua da villa Arcore, a mansão de luxo onde o ex-primeiro-ministro italiano Sílvio Berlusconi dava as suas internacionalmente conhecidas festas ‘bunga bunga’. Sobre esses encontros, a modelo chegou a referir em tribunal ter visto, em Arcore, mulheres vestidas de freiras que faziam striptease, tendo chegado a admitir ter recebido dois mil euros para participar numa dessas festas.

O mediatismo destas festas, onde alegadamente participavam mulheres pagas por Berlusconi, tomou proporções muito maiores quando veio a público que o ex primeiro-ministro italiano teria mantido relações sexuais com uma rapariga de 17 anos. Karima El Mahroug, mais conhecida como Ruby – nome dado a este caso – era também marroquina e, à data dos acontecimentos, em 2010, a jovem era menor de idade, o que motivou a abertura de um processo contra Berlusconi. Em 2012, Berlusconi afirmou em tribunal que as festas ‘bunga bunga’ eram apenas «jantares elegantes». «Vim assistir a esta comédia, uma grande operação mediática de difamação», disse, na época, quando finalmente foi a tribunal, depois de ter faltado a várias sessões.

O caso veio à tona depois de Ruby ter sido detida por furto, em Milão, e Berlusconi ter pedido a libertação imediata da menor, alegando que esta era sobrinha do presidente egípcio, Hosni Mubarak, e que tal detenção poderia trazer conflitos diplomáticos entre os dois países.

De sete a zero

A jovem foi então entregue a Nicole Minetti, antiga conselheira regional da Lombardia pelo partido de Berlusconi, também arguida neste processo.

A esta mulher -que alegadamente também participava nas festas do antigo primeiro-ministro – juntam-se mais dois acusados: Lele Mora, agente do mundo do espetáculo, e Emílio Fede, jornalista e apresentador nos canais televisivos do milionário italiano. Este último deu uma entrevista, depois da morte de Imani, ao jornal italiano Corriere della Sera, onde admitiu ter dado uma vez boleia à modelo, à saída de Arcore. «Era uma boa miúda, mas tinha problemas do ponto de vista económico, a família dela tinha dificuldades económicas. Na breve conversa que tivemos no meu carro, fiz-lhe uma recomendação: Tenta proteger-te, não acabes em coisas estranhas».

Fadil acabou por tornar-se testemunha chave num processo que condenou Silvio Berlusconi, em 2013, a sete anos de prisão por prostituição infantil e abuso de poder, bem como ao impedimento de se voltar a recandidatar a qualquer cargo público.

Quando acreditava finalmente ter conseguido justiça, eis que se dá uma reviravolta no caso: Silvio Berlusconi recorreu da sentença e, no ano seguinte, foi absolvido de todos os crimes. Na alegação consta que o ex primeiro-ministro não tinha como saber que a rapariga era ainda menor à data dos factos, decisão que foi posteriormente confirmada pelo Supremo Tribunal italiano, em 2015.

Sobre a absolvição, Imane mostrou a sua incredulidade e desilusão ao jornal La Repubblica: «De sete anos a zero… como é que é possível?»

Sobre a morte da modelo marroquina, Berlusconi afirmou que «é sempre uma pena quando morre uma pessoa jovem», mas que nunca a conheceu nem falou com ela. «O que li sobre as suas alegações fez-me pensar que tudo aquilo foi absurdo e inventado».

Imane tinha 25 anos quando entrou pela primeira em villa Arcore. Fez parte de um processo coletivo movido contra Berlusconi e lutou para se fazer ouvir até ao último dia. Antes de morrer, disse estar a escrever um livro onde contava a sua experiência naquelas festas, bem como sobre a sua vida antes e depois do julgamento. Esse manuscrito foi, entretanto, apreendido e vai ser investigado pelo Ministério Público. Já Silvio Berlusconi anunciou no início deste ano que será candidato às eleições europeias de maio.

Texto editado por Mariana Madrinha