Pela primeira vez foi declarado o estado de emergência devido à recusa voluntária de pais em vacinar os filhos, esta terça-feira, no condado de Rockland, a cerca de 50 quilómetros de Nova Iorque. A medida do Executivo do condado, retirou quase seis mil crianças não vacinadas das escolas, que foram proibidas de estar em locais públicos. Foram dadas perto de 17 mil doses de vacinas para o sarampo, papeira e rubéola, havendo ainda uma abrangente campanha de sensibilização para a importância da vacinação, com médicos, especialistas e até rabis, dado que o surto afetou sobretudo a comunidade judaica ultraortodoxa da região. Mas nem isso conseguiu acabar com o surto de sarampo que já decorre desde outubro.
As medidas revelam o desespero das autoridades norte-americanas, que enfrentam surtos de uma doença que tinha sido declarada extinta no país em 2000. “Não podemos permitir que este surto continue indefinidamente ou piore outra vez”, afirmou o Executivo de Rockland, garantindo: “Não vamos ficar parados enquanto crianças da nossa comunidade estão em risco”.
O sarampo é um vírus extremamente contagioso, que causa problemas respiratórios, febre e borbulhas. Em pessoas com sistemas imunitários mais frágeis, como bebés e crianças, o sarampo pode causar danos cerebrais, surdez permanente e até chegar a ser fatal. A doença foi eliminada nos EUA, tal como em Portugal, através da criação de imunidade de grupo – significando que mesmo que nem todas as pessoas estejam imunes, há um grande número de indivíduos que está, logo o número de contágios é reduzido. Diminuindo assim a propagação da doença entre quem não pode ser vacinado, como crianças pequenas, grávidas e pessoas com o sistema imunitário fragilizado. Dado que o sarampo é tão contagioso, estima-se que entre 93% a 95% da população tenha de estar vacinada para conseguir imunidade de grupo.
A elevada prevalência de sarampo entre a comunidade ultra-ortodoxa de Rockland está relacionada com a sua baixa taxa de vacinação, assim como os seus laços estreitos com as comunidades de Brooklyn, onde estão também a decorrer surtos cuja origem terá sido em Israel, onde a doença não foi eliminada. O departamento de saúde de Nova Iorque recomenda a vacinação de quem viaje para Israel, mas entre as comunidades ultraortodoxas há uma difusão da literatura antivacinação, que recusa o consenso científico sobre o assunto.
Os chamados grupos “anti vax” têm ganho ímpeto online, através das redes sociais. Sobretudo desde a divulgação do trabalho do ex-médico Andrew Wakefield, cujos resultados nunca nenhum cientista conseguiu replicar, como é necessário à validação do conhecimento científico. A licença médica de Wakefield foi revogada tendo o estudo sido considerado fraudulento e com erros intencionais, por parte da Ordem dos Médicos britânica. Desde o apelo do ex-médico, o número de recusas de vacinação aumentou globalmente. Por outro lado, muitos países em desenvolvimento ainda lutam para ter acesso a vacinas, convivendo com doenças já extintas em países desenvolvidos.
“Em parte devido ao sucesso das vacinas, as pessoas não receiam estas doenças, por isso questionam a sua eficácia”, afirmou Annabelle De St. Maurice, especialista em doenças infecciosas da Universidade da Califórnia, ao The New York Times. Inversamente, quando estas doenças reaparecem, como em Nova Iorque, a procura de vacinas aumenta. Segundo St. Maurice, a recusa de vacinar crianças ocorre sobretudo entre a população branca e com mais educação.
Portugal A Direção Nacional de Saúde (DGS) informou o i de que não existe nenhum aviso aos portugueses que visitam os EUA. A DGS garantiu que apesar do crescimento global dos grupos opositores da vacinação, o Programa Nacional de Vacinação continua a decorrer com normalidade, e que a taxa de vacinação mantém-se acima dos 95%.
Os casos de sarampo e de outras doenças preveníveis continuam nos níveis habituais, sem nenhum foco semelhante a Nova Iorque. Mas não é afastada a possibilidade de surtos em algumas regiões do país que tenham bolsas de pessoas não vacinadas.
Uma porta-voz da DGS salientou ainda ao i que a vacinação de crianças não é obrigatória, nem há impedimentos legais a matricular um aluno na escola sem estar vacinado. Caso os professores saibam que há crianças por vacinar, podem contactar a Unidade de Saúde da Escola, cuja resposta envolve organizar sessões de esclarecimento.