“Ter inimigos poderosos é uma bênção”, escreveu Nipsey Hussle horas antes de morrer. A morte do rapper norte-americano, que estava nomeado para os Grammys deste ano, apanhou todos de surpresa e voltou a trazer para a atualidade um tema antigo – a violência no meio musical e a rivalidade entre gangues.
Este estava a ser o ano de sonho de Ermias Davidson Asghedom, conhecido no meio musical como Nipsey Hussle: depois de três mixtapes – os chamados ‘discos de rua’, gravados sem os aparelhos e a sofisticação de um estúdio, que incluem temas originais e versões de músicas de outros rappers -, o álbum Victory Lap valeu-lhe uma nomeação para a categoria de Melhor Álbum de Rap na 61ª edição dos Grammys. Acabou por perder para a rapper Cardi B e o seu disco Invasion of Privacy. Mas tudo mudou de repente, no domingo à tarde.
De acordo com o site TMZ, o rapper de 33 anos estava na sua loja de roupa, Marathon Store, no bairro de Hyde Park, em Los Angeles, quando um homem se aproximou e disparou. Vídeos partilhados nas redes sociais mostram os paramédicos a realizarem manobras de reanimação no rapper, que foi levado para o hospital mais próximo mas acabou por não resistir aos ferimentos.
Uma fonte da polícia de Los Angeles disse ao mesmo site que o suspeito, um homem com pouco mais de 20 anos, agiu com a ajuda de outra pessoa: depois de disparar vários tiros, o homem fugiu num carro conduzido por uma mulher, que aguardava parado junto à loja de roupa de Nipsey.
“Eu matei Nipsey Hussle” As novas tecnologias vieram mudar não só a forma como as investigações são conduzidas, mas também como os criminosos glorificam os seus crimes e fazem passar as suas mensagens. Será que foi isso que aconteceu neste caso?
Um homem admitiu através do Instagram ser o homicida do rapper Nipsey Hussle, depois de ter ‘invadido’ o directo de um artista chamado Cinco. O homem, que tem no Instagram o nickname @gasstongbo, diz que chegou ao pé de Nipsey e disparou. “A filha dele estava lá”, afirma. De acordo com o site TMZ, Nipsey tem dois filhos e foi fotografado com uma criança momentos antes do tiroteio, mas não é claro se existe uma relação de parentesco entre o artista e a menina que aparece na fotografia.
“Eu não estou a gozar. Eu vi-o com a filha e disparei (…) Eu matei Nipsey Hussle. Tentem apanhar-me”, afirma.
A polícia norte-americana ainda não confirmou se este homem é, de facto, suspeito e que medidas foram tomadas para apurar a veracidade destas declarações.
Um passado de violência O homicídio do rapper apanhou todos de surpresa, mas a verdade é que Nipsey Hussle já tinha estado envolvido em vários episódios violentos. Em dezembro do ano passado, o músico, que trabalhou com nomes como Drake, Childish Gambino, 50 Cent, Kendrick Lamar, Snoop Dogg, Ne-Yo e Tyga, esteve envolvido numa luta à porta de uma discoteca. Nipsey estava com a sua namorada, a atriz Lauren London, quando o episódio de violência começou – o rapper esmurrou várias pessoas e os seguranças tiveram mesmo de usar tasers para tentar controlar a situação. Quando a polícia chegou ao local, Nipsey Hussle e o resto das pessoas já tinham saído. Ninguém foi detido.
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Em setembro desse ano, a loja de Nipsey foi palco de outro momento violento: a polícia foi chamada ao local depois de terem sido ouvidos disparos junto ao estabelecimento comercial. Não foram registados feridos e ninguém foi detido. De acordo com a imprensa norte-americana, o rapper não estava na loja na altura do tiroteio.
O paraíso dos gangsters Apesar de ser um membro ativo na comunidade e de defender publicamente o fim da violência nos bairros de Los Angeles, o nome de Nipsey Hussle esteve durante muito tempo associado a um dos gangues mais perigosos daquela zona, os Crips. Fonte da polícia disse ao TMZ que existem fortes indícios de que a morte do músico está associada à violência entre estes grupos.
A verdade é que a história do rap está muito ligada à rivalidade entre gangues – alguns dos maiores artistas morreram cedo demais, vítimas dos atos violentos destes grupos.
A partir dos anos 80, os EUA tornaram-se um verdadeiro paraíso para os gangsters, como cantou Coolio em 1995. As primeiras mortes associadas a este tipo de violência foram as de Scott La Rock e Paul C, em Nova Iorque, em 1987 e 1989, respetivamente. Foram registados muitos outros casos em várias partes do país, como por exemplo em Houston (Fat Pat, em 1998), no Kansas (Mac Dre, em 2004), em Detroit (Blade Icewood, em 2005) e na Pensilvânia (Jimmy Wopo, em 2018). Muitos destes homicídios acabaram sem detenções, não sendo assim possível estabelecer uma ligação direta entre os homicídios e a rivalidade entre grupos. No entanto, o historial de violência associado às vítimas e a sua relação com determinados gangues leva a crer que exista uma relação entre as mortes e estas organizações criminosas.
Os dois casos mais conhecidos são o de TuPac e The Notorious B.I.G. Em setembro de 1996, TuPac estava em Las Vegas a celebrar o aniversário de um dos seus sócios. Após assistir a um combate entre Mike Tyson e Bruce Seldon, TuPac envolveu-se numa discussão com Orlando Anderson, um membro dos Crips. Este incidente ocorreu meses depois de membros daquele gangue da zona de Los Angeles terem alegadamente assaltado um membro da Death Row, a editoa de TuPac. Momentos depois, quando se dirigia para um estabelecimento noturno, o rapper foi atingido por quatro tiros: um na cabeça, dois na virilha e um na mão. Os disparos vieram de um carro que passou no local naquele momento.
Meses depois, em fevereiro de 1997, The Notorious B.I.G. foi morto da mesma forma: o rapper estava em Los Angeles a promover o seu próximo álbum, passando de festa em festa e de entrevista em entrevista. Quando estava parado num sinal vermelho, um condutor parou o carro ao seu lado e disparou quatro vezes. Muitos afirmam que a morte de Notorious B.I.G. foi uma resposta ao homicídio de TuPac, dando assim mais força à rivalidade East Coast-West Coast (Costa Este e Oeste), tantas vezes retratada nos temas rap e hip-hop.