Eu acredito em unicórnios. São muito raros os dias em que não falo ou leio uma história sobre eles. A par da complicada vida sentimental de princesas e de aventuras com fadas, os unicórnios são um dos temas mais frequentes nas fantasias que construo com as minhas filhas. E, mesmo sem nunca termos visto nenhum, eu e a minha filha mais nova não duvidamos que eles existam e que são tão ou mais bonitos do que os relatos e imagens que conhecemos dos livros e filmes. Coisas de crianças e pais babados, o direito à fantasia. A fantasia existe e deve, também, inspirar o que fazemos na vida real. Mas quando se confunde, é uma chatice.
Não só há quem acredite em unicórnios, como também há pessoas que acham que estes podem ser a solução para os problemas da competitividade económica. À falta de melhor, deixe-se o sonho comandar a vida. Mas não acredito que os unicórnios sejam a solução para nada, exceto para a felicidade de alguns, muito poucos, empreendedores e investidores. E claro, para as princesas dos livros das minhas filhas. Os unicórnios são muito raros e nascem porque têm de nascer, de uma conjugação de vontades para resolver uma necessidade. O resto é sorte, aquele tipo de sorte que dá muito trabalho a conseguir, esse tipo de sorte.
Economia digital, indústria 4.0, serviços, internacionalização são palavras chave para o futuro do país, não duvido. A aposta nas incubadores e programas de aceleração tem dado frutos, criando emprego, gerando conhecimento, promovendo o desenvolvimento intelectual e combatendo a inércia. Mas a palavra inovar surge muitas vezes assessorada de outras, nomeadamente ‘tentar’ e ‘falhar’, termos que os nossos investidores não gostam de ouvir, principalmente da boca de jovens ou de alguém que decidiu mudar de vida para se dedicar a desenvolver uma ideia, correr atrás de um sonho. Adiciona-se ao discurso, a certeza de que só vai dar dinheiro no longo prazo, no curto e médio prazo são fundamentais investimentos que provavelmente vão derrapar e percebemos a dificuldade de atrair investidores para este universo.
Não devemos ser românticos, diz-se, mas quando precisamos de criar e crescer a um ritmo acelerado, não podemos seguir apenas as soluções convencionais, à partida mais seguras. Mas o financiamento, um aspeto fundamental e incontornável para o desenvolvimento das empresas, é só uma parte do problema. Tão importante, é a questão e necessidade de internacionalização, de dar escala aos negócios, pois o nosso mercado é muito pequeno. E sem perder uma ligação ao país. De outra forma, como se justifica o investimento, sobretudo o de origem pública?
Mas mesmo assim talvez o maior problema seja a mentalidade de muitos investidores e empreendedores. Desenvolver uma startup é por definição (e experiência) uma atividade que envolve vários riscos e com uma probabilidade de sucesso, leia-se sobrevivência, bastante baixa. É o caminho das pedras. Ignorar o histórico é tapar o sol com a peneira, acreditar que só acontece aos outros é ingenuidade, pensar que estamos a criar um unicórnio quando temos pouco mais do que uma ideia num papel é tão errado como ter a certeza de que uma criança de 6 anos vai ser o próximo Ronaldo. Por muito talento que tenha é impossível prever e um tremendo erro acreditar nessa previsão. Para a maioria das pessoas, os unicórnios não existem.
As agências de comunicação, de todas as áreas de especialidade, são os parceiros óbvios para acompanhar a transformação de startups em grownups, enquanto detentores do conhecimento e das ferramentas que permitem implementar as estratégias de comunicação mais eficazes para projetarem as marcas portuguesas lá fora. Mas óbvio e natural não são sinónimos e poucas estruturas têm, à data de hoje, este tipo de vocação e podem assumir o risco de trabalhar esta tipologia de clientes. Por um lado, apresentam um perfil de risco, por ausência de histórico e capitais próprios, muito superior ao das médias e grandes empresas que constam dos portefólios das principais agências. Por outro, realizam um volume de investimento que não é compatível com as estruturas de custos das agências. É quando estão a crescer que as startups precisam de mais apoio, as com estrutura para dar esse apoio têm muita dificuldade em disponibilizar as ferramentas necessárias à internacionalização, dos softwares ao networking passando pelos recursos humanos, a parceiros de pequena dimensão, que representam um baixo volume de negócios.
Não conheço, à data, nenhuma agência que tenha conseguido implementar um modelo bem-sucedido de relação com as startups, que esteja a surfar esta onda de uma forma confortável, leia-se, rentável. Mas todas elogiam soluções, sobretudo as de natureza tecnológica, que as startups desenvolvem, há uma evidente partilha de valores no espírito criativo e disruptivo que ambas as atividades preconizam. Agências e startups estão completamente alinhadas em termos de objetivos. Já não falta muito, só o mais difícil: mudar. Do lado da oferta precisamos de novos (modelos de) negócios, do lado da procura maior sentido comercial, foco no mercado e em vendas.
Mais do que uma aceleradora de unicórnios, as startups são pontas de lança da inovação, de ação e de uma nova forma de fazer as coisas. E é muito mais importante ter muitas, boas (sustentáveis), do que apostar as fichas todas a correr atrás de unicórnios. Acredite-se ou não na sua existência, são seres muito independentes que não querem ser domesticados. Não podem ser a regra para a renovação do tecido empresarial português. Nem do portefólio das agências.
Enquanto escrevia este texto chegou a notícia da morte de João Vasconcelos, um dos principais rostos do Portugal empreendedor, incubador, impulsionador de startups. Recordo uma figura que procurou fazer diferente, melhor. A sua visão, empenho e trabalho contribuíram de forma indelével para uma alternativa de futuro para o nosso país, sobretudo para os mais jovens. João Vasconcelos vai fazer muita falta. Ele, melhor do que ninguém, conhecia o gangue dos unicórnios.
*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media