Já entrámos na primavera. Para trás ficaram um outono incaracterístico e um inverno que até nem foi tão ‘castigador’ como em anos passados.
Com eles vieram, como todos sabemos, as famosas gripes e outras infeções respiratórias não gripais, que ano após ano se repetem e continuam a ser um verdadeiro ‘quebra-cabeças’ para os responsáveis e profissionais de saúde. Curiosamente (e falo com base na minha experiência pessoal) o ano nem foi dos piores em termos de gripe propriamente dita, mas registou um aumento considerável de doenças respiratórias provocados por outros vírus, que atingiram grande parte da população e causaram sintomas persistentes, demorando algum tempo a desaparecer.
À semelhança dos anos anteriores, uma situação que já devia ter sido eliminada há muito tempo transforma-se num terrível problema de saúde pública, não só em termos de morbilidade, como também pela falta de soluções para a combater. É triste constatar como um fenómeno cíclico se instala na sociedade, se repete anualmente e não somos capazes de encontrar a resposta adequada para acabar com ele. Por aqui se vê que prevenir não é connosco, e acabamos por concentrar as nossas forças a remediar. É a nossa sina. Além disso, há que ter presente que estas infeções respiratórias podem não ter todas a mesma evolução. Enquanto umas se curam por si, outras acarretam complicações, principalmente nos idosos, o grupo mais vulnerável, ao qual devemos dedicar redobrada atenção.
E vamos continuar a conviver assim com esta realidade? Por que não se tomam medidas eficazes para a ultrapassar? Será difícil evitar um problema quando se conhecem antecipadamente todas as características?
Passamos a vida a dizer aos cidadãos que não devem recorrer pelo seu pé às urgências hospitalares nestas situações, mas não conseguimos provar-lhes que há alternativas.
É que, antes de ‘impedirmos’ a entrada destes doentes nos hospitais, temos de lhes abrir as portas dos centros de saúde. A solução passa essencialmente por aí. Se estas unidades se organizarem corretamente nas alturas de crise, de modo a responderem aos casos de doença aguda, o serviço hospitalar ficará liberto para as situações que só lá podem ser atendidas – como os acidentados, os traumatizados, as urgências cardiovasculares ou cérebrovasculares, cirúrgicas, entre outras.
Todos os anos me interrogo e nunca encontro uma explicação para o facto de um centro de saúde, sabendo que vai entrar em período crítico, não diminuir logo o número de consultas de rotina (ou mesmo adiar) para os clínicos poderem atender prioritariamente as urgências de dia. Já era uma grande ajuda! Caso contrário, qualquer pessoa que, numa situação de urgência, não encontre resposta do seu médico de família, vai direitinha para o hospital e ninguém a poderá condenar por isso. Já me tenho posto na pele de um doente e pergunto a mim próprio o que faria se me visse em tais circunstâncias.
Por outro lado, é bom não esquecer que todos os inquéritos e estudos feitos junto da população que procura os hospitais em situações não emergentes revelam sempre o mesmo motivo: a falta de consultas nos centros de saúde!
Um horário mais alargado nos centros talvez faça sentido nalgumas zonas da periferia, sendo já discutível a sua utilidade no coração das cidades, visto o custo-benefício não justificar o investimento – e voltamos ao ponto de partida.
Os antigos S.A.P. (Serviços de Atendimento Permanente) foram, sem dúvida, um marco histórico e muito contribuíram para travar as idas às urgências hospitalares, mas hoje as opiniões dividem-se quanto às vantagens da sua existência.
Pode parecer a história do ‘Ovo de Colombo’, mas o desfecho final depende quase exclusivamente da capacidade de resposta dos centros de saúde, que nestas alturas vão ter de se organizar, custe o que custar. Se nada se fizer, ninguém se queixe – e não aponte o dedo aos doentes, que são os menos culpados e os mais sacrificados neste processo.
É possível resolver o problema. Se todos quiserem, a solução está nas nossas mãos.
Médico