Tudo corre às mil maravilhas até aos dois, três anos. Até aí tudo é simples. Crescem a olhos vistos, começam a sorrir, a rir, a andar, a falar, mais tarde a correr e a saltar, sempre com um sorriso no rosto, entusiasmados a descobrirem-se e ao mundo. Depois ficam mais crescidos, tornam-se mais complexos, mais independentes – e por vezes mais insuportáveis.
Se antes eram tratados de forma idêntica à dos bebés, agora inicia-se uma série de mudanças à altura de gente grande. Para começar aperfeiçoam uma coisa terrivelmente importante: a vontade própria! Apercebem-se de que há um mundo de escolhas e possibilidades que estiveram a desperdiçar e toca de o aproveitar.
Começam a querer escolher a roupa – que nunca é aquela que tínhamos tirado –, pelo meio desarrumam a gaveta toda, depois vão buscar os sapatos perfeitos – aqueles todos estragados que já não lhes servem – e o pequeno-almoço que sempre preparámos também se tornou desadequado.
No final, a cereja no topo do bolo, além de escolher, querem fazer! Têm de ser eles a vestir-se, a tomar banho, a pôr o cinto no carro,… e a tarefa não vai ser fácil. Logo de manhã as calças teimam em não passar pela cabeça, os sapatos estão trocados e, do pacote à caneca, o caminho do leite é extremamente acidentado. Os pais, com a maior paciência do mundo, tornam-se malabaristas e vão tentando contornar, prever e ajudar, sem que eles se apercebam da sua falta de jeito, mas ao menor deslize ou proibição o caos instala-se. Vermo-nos confrontados com as nossas fraquezas ou falta de autoridade não é fácil, mas para as crianças que as estão agora a descobrir e que ainda não têm a capacidade de auto-regulação apurada, é tudo! A frustração irrompe num choro desesperado que pode ser acompanhado de movimentos imprevisíveis. O corpo estica e encolhe, os membros mexem-se irrequietos e vemos os nossos filhos a serem sugados para um outro mundo. Nós ficámos do lado de fora.
Assistimos àquele descontrolo com um misto de pena e irritação. Tentamos puxá-los de volta, mas sem sucesso, e vamos esperando, pacientemente ou enfurecidamente, consoante o estado da situação e das circunstâncias, até que o outro mundo os cospe de volta e eles cedem exaustos ao nosso abraço. Não há muito a fazer nestas alturas. Não vale a pena desesperar, chantagear ou aliciar. Desde o momento em que são sugados só nos resta esperar, ir mostrando que se está presente, tentar que passem para palavras o que sentem, mas sem ceder ao motivo da birra. É aqui que se começa verdadeiramente a educar e não só a cuidar. A vida será sempre assim, com regras e limitações, este é ainda o início do caminho e terão de aprender a não ceder ao primeiro fracasso.
Fome, sono e birras estão interligados, porque os três são essenciais ao crescimento. Para conseguirmos uma espécie de homeostase os dois primeiros deverão estar satisfeitos. Como vencer a fome? Comendo. Como vencer o sono? Dormindo. Como vencer as birras? Tal como há crianças mais comilonas ou dorminhocas, também há umas que fazem mais e piores birras. Com a diferença que comer e dormir não faz barulho, não incomoda, não irrita. Vencemos as birras com muita paciência e calma, com a certeza de que não durarão para sempre e que serão breves, ainda que possam durar horas. Só as podemos vencer com a tranquilidade e amor possíveis, antes que elas nos vençam a nós.