Assange sai de uma prisão para outra

O jornalista estava há sete anos refugiado na embaixada do Equador em Londres e vivia confinado. Foi detido pela polícia britânica e pode ser extraditado para os EUA. 

Acusado de conspiração pelos Estados Unidos, Julian Assange, fundador do Wikileaks, foi expulso da embaixada do Equador em Londres, no Reino Unido, e detido pela polícia britânica. Agora, pode ser extraditado para os Estados Unidos para ser julgado, enfrentando uma pena de até cinco anos de prisão. Assange estava refugiado nas instalações diplomáticas há sete anos, onde vivia num pequeno espaço.

Os seus defensores mostraram publicamente o seu desagrado e não perderam tempo a defender o fundador do Wikileaks. Edward Snowden, antigo analista da CIA norte-americana que denunciou o esquema de vigilância mundial da NSA, classificou a detenção como «dia negro para a liberdade de imprensa» e o líder do Partido Trabalhista britânico, Jeremy Corbyn, disse que o jornalista australiano não deveria ser extraditado por «expor provas de atrocidades no Iraque e Afeganistão».

«Isto marca um perigoso precedente. Qualquer jornalista pode ser extraditado para ser acusado nos EUA por ter publicado informação verdadeira sobre os Estados Unidos», reagiu a advogada de Assange, Jennifer Robinson.

Houve até quem explicasse a verdadeira razão para Assange ser finalmente detido: o antigo presidente equatoriano Rafael Correa. Numa publicação no Twitter, Correa denunciou que o seu sucessor, Lenín Moreno, o fez por Assange ter exposto a corrupção de Moreno: «Julian Assange foi expulso da embaixada do Equador por expor a corrupção do Presidente Lenín Moreno nos Papéis do Panamá. A conta secreta de Moreno (lavagem de dinheiro: 100-3-1071378. Banco Balboa Panamá. (…) O maior traidor da história do Equador e da América Latina, Lenín Moreno, deixou que a polícia britânica entrasse na nossa embaixada em Londres para deter Assange», acusou Correa, que deu refúgio ao jornalista australiano em 2012.

Em sua defesa, Moreno disse que a decisão de despejar Assange da embaixada se deveu a «ao comportamento agressivo e descortês» ao longo dos últimos anos, principalmente desde a sua tomada de posse, em maio de 2017. E, no Parlamento equatoriano, o ministro dos Negócios Estrangeiros, José Valencia, elencou uma série de razões para o Governo ter retirado o estatuto de asilo político, entre os quais os seus «inúmeros atos de interferência na política de outros Estados» – uma referência à divulgação de emails da então candidata democrata Hillary Clinton antes das presidenciais norte-americanas de 2016 e de ter ligações com próximos do então candidato republicano Donald Trump. Valencia também acusou Assange de «ameaçar constantemente» o pessoal da embaixada e de o acusar de estar a «espiar e a filmar» – vídeos de câmaras de vigilância do jornalista no pequeno espaço em que vivia surgiram em Espanha recentemente.

As divergências entre Assange e o Governo e pessoal diplomático equatorianos têm já um longo historial. Assange vivia num escritório transformado em quarto e local de trabalho, com acesso a uma casa de banho partilhada e com uma pequeníssima cozinha. Vivia confinado num espaço de poucos metros quadrados e não podia sair sob risco de ser detido e extraditado, inicialmente para a Suécia, onde havia duas queixas de violação – foram entretanto arquivadas –, e depois para os EUA.

 

Da Wikileaks a inimigo público dos EUA

Tudo começou em 2006, quando Assange fundou o Wikileaks para divulgar documentos, vídeos e imagens confidenciais, denunciando práticas de vários governos, principalmente do norte-americano. Em 2010, Assange teve o seu primeiro grande furo ao receber mais de 250 mil documentos confidenciais do então soldado norte-americano Bradley Manning (mudou de sexo na prisão e chama-se hoje Chelsea Manning) e divulgou-os no site da organização.

Entre as informações estava um vídeo chamado Collateral Damage que mostrava um helicóptero dos EUA a disparar contra um grupo de dez homens, dois dos quais jornalistas da Reuters, em Bagdad, no Iraque. Os milhares de relatórios divulgados foram então publicados pelo New York Times, Guardian e Der Spiegel, denunciando o que ficou conhecido como Afghan War Logs e Iraq War Logs. Expunham como a máquina de guerra dos Estados Unidos atuava impunemente no Iraque e Afeganistão, violando o direito internacional.

Os corredores de Washington entraram em pânico e Assange tornou-se um alvo. Visitou a Suécia e pouco depois foi acusado por duas mulheres, com quem teve sexo, de as ter violado. O caso foi investigado e arquivado e Assange continuou com a sua vida. Em 2012, o processo foi reaberto quando Assange estava no Reino Unido: foi detido e a justiça britânica ordenou a sua extradição. Sem alternativas, o jornalista dirigiu-se à embaixada do Equador em Londres, tocou à campainha e pediu asilo político. Só voltaria a sair sete anos depois.

Refugiado na embaixada, Assange não cedeu às pressões e continuou a publicar documentos confidenciais, expondo as táticas de negociação norte-americanas, a vigilância de outros governos e os métodos de hacking da CIA – além de situações que violam os direitos humanos e a lei internacional. Enfurecida, Washington não desistia da extradição de Assange e começou a pressionar o Equador. Em fevereiro de 2017, o então procurador-geral dos EUA, Jeff Sessions, classificou a detenção de Assange como «prioridade» para o Governo.

Com o desconforto do Equador a aumentar, o Governo decidiu, em 2016, cortar-lhe o acesso à internet para que não interferisse nas eleições norte-americanas – tinha acabado de divulgar os emails de Clinton. As relações entre o convidado e as autoridades equatorianas começaram a deteriorar-se cada vez mais, mas o verdadeiro ponto de viragem foi a eleição de Moreno. O acesso à internet foi reposto, mas pouco depois voltou a ser cortado: o pessoal da embaixada disse que Assange tinha rompido o acordo e que interferiu novamente na política de outros Estados ao apoiar os independentistas catalães. Madrid não gostou e queixou-se a Quito.

Como retaliação, Moreno retirou o dispositivo de segurança implementado pelo seu antecessor e que alegadamente servia para proteger Assange – câmaras de vigilância e seguranças 24 horas por dia. Para Assange, nunca se tratou de garantir a sua segurança, mas de uma forma encapotada de vigilância, para o anfitrião saber o máximo sobre si. E denunciou-a em conferência de imprensa. Foi a gota de água para o Equador, uma narrativa que Correa contesta.