As autoridades francesas já asseguraram que nada aponta para que o incidente na Catedral de Notre-Dame, que esta semana surpreendeu o mundo, tenha tido mão humana e resultado de fogo posto. Ainda assim, segundo avançou o diário francês Le Figaro, a investigação sobre as causas do acidente vai continuar e pode mesmo demorar várias semanas. Além disso, é certo que França não tem exatamente o histórico limpo no que a atos de vandalismo em igrejas diz respeito: segundo dados do Service Central de Renseignement Criminel (SCRC) da polícia francesa, avançados pelo Le Figaro em março, entre 2016 e 2018 verificaram-se milhares de casos de vandalismo – feita a média, foram atacadas 2,75 igrejas por dia –, com o pico a registar-se em 2017, quando se contabilizaram 1045 casos. Os ataques caracterizam-se, na generalidade, pelo roubo de alguns artefactos, destruição de outros e mensagens deixadas nas paredes, e, já este ano, a tendência parece não ter mudado: em março, só numa semana, 12 igrejas francesas foram vandalizadas e uma delas foi mesmo alvo de fogo posto. No mesmo mês, a Basílica de Saint-Denis (Paris), com mais de 800 anos, foi também atacada: o órgão foi parcialmente destruído e alguns vitrais foram partidos.
O que tem vindo a acontecer em França leva inevitavelmente a um questionamento relativamente ao que se passa por cá. Haverá em Portugal o mesmo cenário de vandalismo contra igrejas? E quanto a monumentos de cariz religioso? Uma pesquisa pela imprensa nacional revela que, muito de vez em quando, vão sendo noticiados atos de vandalismo em monumentos – este ano, o Mosteiro de Odivelas foi notícia pelo roubo de 164 azulejos do séc. xvii, por exemplo. Já as notícias sobre igrejas vandalizadas são mais frequentes: à memória salta, por exemplo, o caso da Igreja de Nossa Senhora do Loreto, no Chiado (Lisboa), que no final de 2017 foi vandalizada e viu a sua fachada danificada. O SOL procurou saber junto da PSP e da GNR os números mais recentes de casos de furto e atos de vandalismo em igrejas no país, mas a informação não chegou até ao fecho desta edição.
Que medidas de segurança existem?
A Catedral de Notre-Dame está para os franceses como o Mosteiro de Alcobaça para os portugueses. Os monumentos partilham o estilo gótico e remontam ao mesmo período – enquanto a data atribuída ao início da construção da Catedral de Notre-Dame é 1163, o Mosteiro de Alcobaça terá sido inaugurado em 1187. E tal como a Catedral de Notre-Dame – e qualquer outro monumento no mundo, em boa verdade –, também o Mosteiro de Alcobaça está à mercê de incidentes. O SOL questionou a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) para perceber que tipo de medidas de segurança são aplicadas não só no mosteiro, mas nos vários monumentos nacionais que a entidade tutela – um total de 23, entre os quais se incluem monumentos de cariz religioso como o Mosteiro da Batalha, o Mosteiro dos Jerónimos e o Convento de Cristo. Contudo, fonte do gabinete de comunicação da entidade informou que as medidas não podem ser reveladas publicamente, uma vez que isso poderia comprometer a segurança. No entanto, a mesma fonte assegurou que os museus, palácios e monumentos sob a tutela da DGPC «dispõem de Medidas de Autoproteção aprovadas ao abrigo da legislação de Segurança contra Incêndios (D.L. 224/2015 de 9 de outubro)». Nas referidas medidas, continua a mesma fonte, «incluem-se os Planos de Segurança que estipulam tudo o que é necessário fazer em caso de incêndio (ou qualquer acidente natural), estando todas as Equipas de Segurança formadas na organização de segurança e utilização dos extintores e bocas-de-incêndio existentes». Mas não só: em resposta ao SOL, a DGPC dá conta de que «tem vindo a investir na melhoria sistemática dos espaços afetos, respeitando a sua especificidade patrimonial e procurando mitigar situações que possam contribuir para o risco de incêndio», pelo que, atualmente, «todos os Museus, Palácios e Monumentos tutelados pela DGPC estão dotados de meios de combate a incêndio, plano de evacuação e saídas de emergência». Os planos de segurança em vigor nos monumentos tutelados pela DGPC preveem também, relativamente aos sistemas automáticos de deteção de incêndios, a ligação das instalações aos bombeiros, na área de Lisboa, «através do Sadiconnect, sistema que informa em tempo real o Quartel do Regimento de Sapadores Bombeiros sobre a ocorrência de qualquer situação, 24 sobre 24h, todos os dias do ano». Já nos espaços localizados nas restantes regiões do país «existem ligações telefónicas normais e automáticas aos Serviços de Bombeiros ou a empresas de segurança». Por fim, «existe também o Programa periódico de inspeções das instalações, para verificação da adequação dos Planos de Segurança, através de vistorias dos bombeiros, no âmbito da Resolução do Conselho de Ministros n.º 13/2018 de 20 de fevereiro, sendo seguidas todas as indicações dos Serviços de Bombeiros com o respeito pelo Património Classificado e pela segurança dos utilizadores», conclui a DGPC.
Também as igrejas – os templos religiosos, em geral – estão regidas pela lei da segurança contra incêndio em edifícios e têm as medidas de autoproteção.
Igrejas seguras
Em 2003, o furto em igrejas e capelas verificava-se por todo o país e o Instituto Superior de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, através do seu órgão constitutivo Museu e Arquivos Históricos da Polícia Judiciária, estabeleceu um protocolo com várias entidades públicas e privadas para o combater com um projeto inovador, designado Igreja Segura.
De acordo com a informação disponibilizada na página oficial da iniciativa, com a sua constituição pretendia-se «criar as condições de segurança e de conservação necessárias à salvaguarda sistemática e efetiva do património histórico e artístico da Igreja, mediante a otimização dos esforços, interesses e recursos de todas as instituições envolvidas».
Uma das mais-valias do projeto é o estabelecimento de um plano de segurança interno nas dioceses e respetivas igrejas que adiram ao projeto. Além de furto ou roubo, de atos de vandalismo e de incêndios, o plano de segurança interno prevê várias situações como sismos, inundações, derrame de líquidos, fugas de gás, descargas atmosféricas e ameaça de bomba. Para que o plano funcione da melhor maneira, cada igreja deve indicar especificamente quais os ‘pontos perigosos’ no espaço – aparelhos de aquecimento, depósito de velas ou esquentadores, por exemplo –, bem como os ‘pontos nevrálgicos’ do templo, isto é, onde está guardado o património mais valioso, cofres ou arquivos paroquiais únicos.
O plano prevê ainda a indicação pelas igrejas de meios materiais disponíveis para usar em caso de emergência, como extintores ou bocas-de-incêndio que permitam pôr em prática o plano de intervenção e, se necessário, o plano de evacuação do local. O plano contempla ainda, se as igrejas assim pretenderem, a possibilidade de indicarem as obras de arte a serem retiradas em caso de incêndio ou de outro incidente.
Apenas uma minoria das dioceses do país aderiram ao projeto mas, ainda assim, a iniciativa Igreja Segura continua a operar, segundo assegurou fonte da PJ ao SOL. No âmbito do projeto, às mãos daquela força de segurança chegam maioritariamente, de acordo com a mesma fonte, denúncias de pequenos furtos de património em igrejas e capelas.