Os egípcios foram a votos este fim-de-semana, para um referendo que pode permitir ao Presidente Abdel Fattah el-Sisi manter-se no poder até 2030. O objetivo declarado do Presidente é manter a estabilidade no país, mas várias organizações de direitos humanos avisam que estas alterações constitucionais poderão facilitar os abusos de direitos humanos levados a cabo pelo antigo líder das forças armadas.
Tudo parece estar decidido quanto ao resultado do referendo, à excepção da taxa de abstenção. Sisi foi eleito em março de 2018, com mais de 97% dos votos, uma margem que seria de estranhar, se não fosse explicada pela sistemática repressão dos candidatos da oposição, que ou desistiram perante ameaças ou foram presos. O único outro candidato para além do Presidente foi Mousa Moustafa Mousa, ele próprio uma ardente apoiante de Sisi, que agora apoia para um segundo mandato, tendo participado na campanha do “sim” no referendo.
A comissão eleitoral egípcia assegurou que até agora o voto no referendo tem cumprido com “os mais altos padrões internacionais de integridade e transparência”, mas organizações não-governamentais como a Human Rights Watch já criticaram o processo como não sendo nem “livres nem justas”. Pelo menos 120 pessoas já terão sido detidas no Egito, por fazerem campanha pelo “não” no referendo, enquanto a oposição relembra que na ausência de observadores internacionais o regime está livre para manipular os resultados ao seu gosto.
Após os protestos de 2011, no contexto da Primavera Árabe, por breves momentos pareceu que poderia haver uma transição democrática no Egito, depois da queda do regime autoritário de Hosni Mubarak. Mas foi sol de pouca dura, com o derrube do governo eleito de Mohammed Morsi, em 2013 – num golpe militar liderado pelo então comandante das forças armadas, Sisi. O golpe foi justificado com o facto de Morsi estar ligado à Irmandade Muçulmana, um grupo islâmico conservador. Nos protestos subsequentes, centenas de manifestantes foram mortos, no massacre de Rabaa, enquanto Sisi suspendia a constituição, tendo-se depois candidatado à presidência em 2014.
Desde então o regime esmagou brutalmente a oposição, recorrendo à pena de morte em abundância. Milhares de opositores políticos foram encarcerados, juntando ao ex-Presidente Morsi, que ainda definha numa prisão egípcia. Teme-se que as emendas constitucionais que vão hoje a votos reforcem a influência das forças armadas na arena política, para além de reforçarem o poder do executivo sobre a justiça, passando a nomear diretamente altos funcionários judiciais.
Sisi justifica estas medidas como necessárias para a estabilidade do país, permitindo, por exemplo, um restabelecimento do turismo, grande fonte de rendimentos para a economia egípcia. Já Magdalena Mughrabi, vice-diretora da Amnistia Internacional no Norte de África, assegurou à Al Jazeera que a decisão de levar estas emendas a votos, durante “a pior repressão da liberdade de expressão, e com graves restrições aos partidos da oposição e aos media independentes, mostra o desprezo do Governo egípcio pelos direitos de todas as pessoas do país”.
Contudo, o influente colunista egípcio Abdullah Al Sennawy considera que “mudar a constituição reflete a fraqueza do regime. É um sinal que está a chegar ao fim, como aconteceu no Sudão e na Argélia”. Nas últimas semanas, os regimes de ambos países – que duravam há décadas e tinham resistido até à Primavera Árabe – caíram face a manifestações massivas de descontentamento. E se há coisa que a Primavera Árabe ensinou foi o potencial de contágio destas mobilizações.