Julian Assange. O hacker que fez os senhores do mundo verem-se ao espelho

O fundador do Wikileaks abriu caminho a delações vindas das profundezas do complexo industrial-militar dos EUA, expondo os interrogatórios em Guantanámo, as atrocidades no Iraque e a extensão da vigilância das secretas. Agora, perante acusações de violação na Suécia, enfrenta a possibilidade de ser extaditado e acabar num calabouço norte-americano.

Se os serviços secretos são a única expressão real do subconsciente de uma nação, como escreveu John le Carré, Julian Assange colocou os Estados Unidos na poltrona da psicanálise como ninguém. O fundador do Wikileaks abriu caminho a delações vindas das profundezas do complexo industrial-militar, expondo os métodos de interrogatório em Guantánamo, as atrocidades cometidas no Iraque e Afeganistão, e mostrando a extensão da vigilância a que estamos expostos todos os dias – e a que nem escapam chefes de Estado aliados. Teme-se que a detenção do australiano, na embaixada equatoriana em Londres, onde se refugiou sete anos, marque um precedente perigoso para jornalistas de todo o mundo, cujo dever profissional pode chocar com o interesse nacional dos Estados Unidos.

É difícil imaginar que a viagem do fundador do Wikileaks acabe noutro lugar que não uma prisão norte-americana. Nascido a 3 de julho de 1971, em Townsville, na Austrália, Assange passou a infância a viajar com a sua mãe, Christine, e o seu padrasto, Brett, que trabalhava em produções teatrais. Essa veia dramática nunca abandonou o australiano, que logo enquanto adolescente também mostrou aptidão para as ciências informáticas, recebendo o seu primeiro computador aos 16 anos. Aos 20 anos já se tinha metido em confusões, invadindo os servidores da Nortel, uma empresa de telecomunicações, acabando por ser alvo de mais de 30 acusações de pirataria. Dessa vez escaparia praticamente impune, apenas com uma multa pelos danos, continuando a sua carreira enquanto programador. Foi na universidade de Melbourne, onde estudava matemática, que Assange mostrou o antimilitarismo que marcaria a sua vida: ao contrário dos colegas, recusava trabalhar em projetos informáticos para as forças armadas, acabando por desistir da faculdade. 

Foi em 2007 que o jovem hacker lançou o grande projeto da sua vida, o Wikileaks – gerido a partir da Suécia, devido às leis de proteção do anonimato vigentes nesse país. O site não tardou a ficar sob atenção das autoridades norte-americanas, após divulgar os manuais militares do centro de detenção de Guantánamo, em Cuba, incluindo as condições dos prisioneiros, muitos deles mantidos em cativeiro há anos, sem qualquer tipo de acusação formalizada e sendo torturados para obtenção de informação. A este manual juntou-se a divulgação de mais de 700 mil documentos, roubados do Pentágono pela ex-militar Chelsea Manning, detida em 2013 após ser denunciada por um ex-colaborador do Wikileaks. Entre os documentos roubados estavam gravações do massacre de dezenas de civis no Iraque, em 2007, incluindo duas crianças e dois repórteres da Reuters, sem qualquer provocação aparente. Os milhões de pessoas que viram as imagens dificilmente esquecerão o riso dos soldados, sentados num helicóptero Apache, enquanto disparavam uma tempestade de balas de 30 mm sobre civis feridos, que rastejavam no chão para tentar escapar. O filme, batizado de ‘Homícidios Colaterais’, tornou-se um símbolo da brutalidade da guerra ao terror, iniciada pela administração de George W. Bush e continuada em larga medida por Barack Obama. Uma doutrina à qual Obama acrescentou novas vertentes, num contexto do aumento da relevância das redes sociais e da Agência de Segurança Nacional (NSA), responsável por monitorizar o fluxo de informação dentro e fora dos Estados Unidos. 

A extensão desta monitorização também foi exposta pela Wikileaks, através das denúncias de Edward Snowden, um ex-operativo da CIA, que revelou que o FBI, a NSA e o GCHQ – o equivalente britânico da NSA – tinham acesso aos servidores de gigantes como a Google, Facebook, Microsoft e Apple, conseguindo monitorizar todos movimentos online dos próprios cidadãos. O Wikileaks revelou ainda que até a chanceler Angela Merkel estaria sob escuta, à semelhança de outros aliados europeus, causando um enorme embaraço diplomático aos EUA. 

Além da subsequente perseguição montada pelos norte-americanos, os problemas legais de Assange foram aumentados por acusações na justiça sueca, tão polémicas quanto o homem que visam. O hacker foi acusado de violação pela polícia sueca, em 2010, após uma queixa de duas mulheres, com as quais Assange admitiu ter relações consensuais. O fundador do Wikileaks foi detido no Reino Unido, acabando por ser libertado sob fiança, procurando depois asilo na embaixada do Equador. O defensores do ativista mantêm que as acusações são forjadas, uma armadilha para levar à extradição de Assange para a Suécia e depois para os EUA – onde enfrenta a acusação de ajudar Chelsea Manning a invadir os computadores do Pentágono. Os apoiantes de Assange temem que possa ser alvo de ainda mais acusações caso seja extraditado, aumentando a pena de até cinco anos por invadir computadores do Pentágono. Recebeu o apoio do então Presidente do Equador, Rafael Correa, mas este foi tirado esta semana pelo atual, Lenín Moreno. Correa já acusou o seu sucessor de expulsar Assange da embaixada por ter exposto o envolvimento de Moreno em corrupção, no caso dos Papéis do Panamá, apelidando Moreno de «o maior traidor da história do Equador e da América Latina». Quanto ao delator entregue aos Estados Unidos, só o tempo dirá o que o futuro lhe reserva.