Uma Espanha fraturada foi ontem às urnas escolher a composição do próximo Parlamento e, por inerência, do Governo. E deu a maioria à esquerda – PSOE e Unidos Podemos (166 deputados) -, mas não a maioria necessária para se formar um governo – 175 deputados -, segundo a sondagem do canal espanhol TVE pouco depois do fecho das urnas. O PSOE conquistou entre 116 e 121 deputados, enquanto o Unidos Podemos se ficou entre os 42 e 45. Por sua vez, o PP ficou entre 69 e 72 eleitos, o Ciudadanos entre os 48-49 e o Vox com 36-38, entrando em força no parlamento.
Por fim, a Esquerda Republicana da Catalunha e o Juntos Pela Catalunha devem eleger entre 18 e 19 deputados, os suficientes para se repetir a solução governativa que levou o líder do PSOE, Pedro Sánchez, ao Palácio de Moncloa depois da queda do Governo popular de Mariano Rajoy. Os resultados finais eram esperados depois do fecho desta edição.
São as terceiras eleições legislativas em quatro anos e a fragmentação parlamentar não permite saber o que se seguirá. Por agora, a próxima solução governativa dependerá dos partidos regionais.
Ao longo das últimas semanas, três cenários estiveram em cima da mesa: uma coligação alargada à direita – PP, Ciudadanos e Vox -, uma coligação à esquerda – PSOE, Unidos Podemos, bascos e catalães – e uma coligação entre o PSOE e o Ciudadanos, opção não afastada pelo líder socialista, Pedro Sánchez, e denunciada pelo Unidos Podemos.
Tudo indica que Sánchez terá dificuldades em conquistar o apoio parlamentar dos bascos e, principalmente, dos catalães. Isto se se tiver em conta que os últimos precipitaram a queda do executivo de Sánchez e a realização de eleições ao recusarem apoiar a sua proposta orçamental no parlamento. Além disso, o líder socialista terá de se comprometer de alguma forma com os catalães sobre o estatuto da região – Sánchez já disse que a independência ou um referendo estão fora de questão. PP, Ciudadanos e Vox acusaram repetidas vezes Sánchez de “trair” Espanha ao negociar com os catalães.
Por outro lado, Sánchez poderá argumentar contra os catalães que a prioridade é afastar a direita e, com ela a extrema-direita, do poder. Os bascos e catalães nunca irão apoiar um governo de coligação de direita alargada por o bloco de direita ser liminarmente contra os independentismos. Caso Sánchez não consiga formar governo, o bloco de direita – nomeadamente o PP – pode ser convidado a tomar a iniciativa de formar governo, mas mesmo assim não terá a maioria no Parlamento. PP, Ciudadanos e Vox já governam juntos no governo regional da Andaluzia e disseram querer repetir esta fórmula governativa.
Desta forma, não se pode afastar a hipótese de serem convocadas novas eleições, à semelhança do que aconteceu em 2015 e que obrigou a novas eleições em 2016. Uma realidade que o El País já tinha previsto nas suas páginas: “O Parlamento que emergir destas eleições será provavelmente o mais fragmentado desde o regresso da Espanha às liberdades democráticas”. Independência da Catalunha, temas fraturantes – aborto, identidade de género, feminismo – e memória da ditadura de Franco foram alguns dos assuntos que dividiram o país. E que mobilizaram o eleitorado.
Uma polarização cujo primeiro sinal é a participação eleitoral, que chegou aos 75% (subida de 9%). Até às 18 horas, 60,76% dos 36 milhões de eleitores já tinham colocado o seu boletim na urna – uma subida de 9,5% face às últimas legislativas, em 2016. Na Catalunha, a participação eleitoral foi quase 18% (64,2%) face às últimas eleições, mostrando que o tema da independência foi um forte mobilizador.
Há uma década, o sistema político era dominado pela alternância governativa entre PP e PSOE, mas, hoje, são cinco – junte-se o Vox, Ciudadanos e Unidos Podemos – os principais partidos do sistema político, dividindo tanto o campo político à esquerda como, principalmente, à direita.
À direita, o PP ficou aquém da sua meta dos 100 deputados, obtendo o pior resultado eleitoral desde 1989. Pablo Casado, presidente popular, almejava afastar os socialistas do poder. Com uma direita fragmentada, Casado tentou reinventar o PP, radicalizando-o à direita, disputando a liderança do bloco com o Ciudadanos de Albert Rivera e, agora, com o Vox de Santiago Abascal. O apoio aos populares colapsou, transferindo-se para o Vox, que teve uma abordagem bastante agressiva na campanha eleitoral contra o independentismo, nos temas fraturantes e contra a lei da memória histórica.