A administração da Caixa Geral de Depósitos liderada por João Salgueiro “não entendeu bem aquilo que estava a assinar” no que diz respeito à Operação Caravela. Quem o diz é António de Sousa, o homem que sucedeu a Salgueiro na liderança do banco público.
"Era uma operação muito complexa e eu sei como foi ruinosa, porque fui eu que a amortizei a 100%", recordou António de Sousa, presidente da Caixa entre 2000 e 2004, que esteve ontem na comissão parlamentar. Esta operação caracterizou-se por um investimento da CGD em 'eurobonds' emitidas em escudos por emitentes internacionais e colocadas no mercado internacional, no final dos anos 1990. De acordo com a auditoria da EY à gestão da Caixa, o objetivo desta operação era camuflar perdas no balanço da CGD, numa altura em que o banco público não conseguia livrar-se dos títulos da dívida pública, que se estava a desvalorizar. A Operação Caravela acabou por gerar perdas de aproximadamente 340 milhões de euros.
"Não entenderam bem aquilo que estavam a assinar. João Salgueiro não se apercebeu do risco que estava subjacente a uma operação daquelas", afirmou António de Sousa, frisando que nunca lhe foi explicado “exatamente” como é que a operação tinha sido realizada, uma vez que teve apenas “um almoço e uma reunião” com Salgueiro e o assunto nunca foi abordado.
Boa memória A falta de memória poderá ter afetado o depoimento de Vítor Constâncio quando o antigo governador do Banco de Portugal foi ouvido pelo grupo parlamentar – Constâncio afirmou que não se recordava da carta de Almerindo Marques, amplamente divulgada na imprensa, na qual o administrador da CGD que criticou as políticas de risco e de concessão de crédito da Caixa.
Mas parece que António de Sousa tem memória de elefante e recorda-se bem dessa carta. Diz que nunca a viu fisicamente, mas que teve conhecimento do seu conteúdo através de Constâncio. António de Sousa não quis fazer grandes considerações sobre o lapso de memória do antigo governador: se não se lembra, “é natural — como presidente da Caixa, a carta interessaria mais a mim do que a ele…”.
Departamento de gestão de risco António de Sousa falou ainda sobre a criação de um departamento de gestão de risco, do qual foi responsável. O antigo responsável admite que, em 2000, esta decisão “não foi bem aceite” pela instituição.
"Como qualquer alteração profunda que se faça numa organização, inevitavelmente, ela causa uma série de choques e reações. A criação de um departamento de risco, que iria permitir contrapor uma opinião aos pareceres jurídicos, não foi igualmente bem aceite por toda a gente dentro da instituição. Ainda por cima, era relativamente inovador em Portugal, não era comum", recordou.
O antigo presidente da CGD falou ainda sobre o facto de as atas das reuniões não apresentarem fundamentação quanto às decisões estratégicas tomadas, defendendo que não era necessário estar tudo discriminado no resumo das reuniões: "Não havia fundamentação nas atas, até porque, como penso que era tradicional na altura, as atas deviam ser sucintas e não deviam ter sequer a argumentação. Mesmo havendo muito poucos casos em que isso terá acontecido, terão existido casos em que aconteceu um não convencimento da gestão de risco em relação à decisão final. Mas não é necessário as pessoas estarem sempre de acordo e não era necessário isso estar em ata”.