A jovem jornalista, conhecida por trabalhar a violência entre as comunidades católica-republicana e protestante-unionista, foi baleada mortalmente durante tumultos na área de Creggan, em Derry. Na manhã desta quinta-feira, foram detidas quatro pessoas relacionadas com a morte de Lyra: três homens com idades compreendidas entre os 18 e os 51 anos e um adolescente de 15 anos.
Conheça melhor o percurso daquela que era considerada uma "promissora jornalista de investigação" pelos colegas e "uma luz brilhante que foi apagada e que nos faz mergulhar na escuridão" por Michelle Stanistreet, secretária-geral da National Union of Journalists.
Quem foi Lyra McKee?
Lyra nasceu a 31 de março de 1990 e era uma jornalista da Irlanda do Norte. Tornou-se conhecida em 2014 após publicar o artigo de opinião "Letter to my 14-year-old self" (Carta ao meu eu de 14 anos) no seu blogue pessoal, The Muckracker. Nesse texto, fez uma reflexão acerca dos obstáculos que ultrapassou enquanto crescia em Belfast e se apercebia de que era homossexual.
Entre 2014 e este ano, a “carta” de Lyra foi transformada numa curta-metragem e o seu livro Angels With Blue Faces (não-ficção baseada no conflito da Irlanda do Norte existente pela reivindicação do estatuto político do país) foi publicado. Também assinou um contrato com a editora Faber&Faber relativo à publicação da sua segunda obra, The Lost Boys, acerca do desaparecimento de Thomas Spence e John Rodgers em novembro de 1974.
Lyra colaborava com órgãos como o Belfast Telegraph ou o Buzzfeed e foi editora do site Mediagazer.
O que foi o The Troubles?
Conhecido popularmente como The Troubles, ocorreu entre 1968 e 1998. Resultou em 3532 mortes e aproximadamente 47500 feridos. Foi perpetuado por duas fações: a protestante (maioria) que pretendia preservar as relações com a Grã-Bretanha e a católica, uma minoria que estava a favor da integração da Irlanda do Norte na República da Irlanda.
A 10 de abril de 1998, foi assinado o Acordo de Belfast pelos governos britânico e irlandês. A maioria dos partidos da Irlanda do Norte apoiou esta decisão mas a tensão crescente continuou a fazer-se sentir.
Alguns pontos principais do também conhecido por Acordo da Sexta-Feira Santa foram a crença no princípio de que o futuro constitucional da Irlanda do Norte deve ser decidido por sufrágio universal e o estabelecimento do uso de meios pacíficos e democráticos para solucionar divergências entre protestantes e católicos.
O que aconteceu no dia 18 de abril?
Lyra estava a fazer a cobertura dos motins de Creggan e foi atingida na cabeça por um indivíduo que utilizava uma máscara para ocultar a face e disparava contra a polícia. A violência irrompeu depois da polícia ter intercetado os dissidentes com o objetivo de confiscar munições antes dos desfiles comemorativos do Easter Rising, que aconteceriam na área naquele final de semana.
A jornalista foi transportada com vida para o Altnagelvin Area Hospital e faleceu às 23 horas dessa sexta-feira.
O funeral de McKee teve lugar na Catedral de Santa Ana, em Belfast, no dia 24 de abril onde estiveram presentes personalidades como a primeira-ministra britânica Theresa May, o presidente irlandês Michael D. Higgins, o líder do Partido Trabalhista Jeremy Corbyn e membros do Sindicato Nacional dos Jornalistas.
Quem são os suspeitos do homicídio de Lyra?
Numa primeira instância, as autoridades acreditaram que um dos autores do homicídio seria um membro da New IRA (The Real Irish Republican Army), um grupo dissidente irlandês, paramilitar e que almeja que a Irlanda do Norte se una à República da Irlanda.
Esta quinta-feira, foram detidos e estão em interrogatório três homens de 18, 38 e 51 anos e um adolescente de 15 suspeitos da morte da jornalista mas detidos ao abrigo da legislação antiterrorista vigente.
A New IRA reconheceu a responsabilidade pelo ataque?
O grupo reconheceu a responsabilidade num comunicado enviado ao jornal The Irish News onde se pode ler que pede "sinceras desculpas à parceira, à família e aos amigos de Lyra McKee pela sua morte". Contudo, o partido de extrema-esquerda Saoradh atribuiu a culpa pelo homicídio de Lyra a um "voluntário republicano que matou a jornalista acidentalmente".
Quantos jornalistas irlandeses foram mortos nos últimos anos?
Em 1996, Veronica Guernin foi morta por barões da droga. A jornalista, à época com 37 anos, escrevia sobre crime para o Sunday Independent. A repórter foi morta a 26 de junho de 1996, enquanto conduzia e parou num semáforo vermelho em Naas, nos arredores de Dublin. Foi baleada seis vezes por dois homens que a perseguiam numa mota. Investigações posteriores apuraram que Gilligan Charles Bowden, Brian Meehan, Concannon de Kieran 'Muscles, Peter Mitchell e Paul Ward, membros de um gangue de droga, estiveram envolvidos no assassinato.
Volvidos cinco anos, Owen O’Hagan, jornalista de investigação membro da Official Irish Republican Army – grupo cujo objetivo era a separação da Irlanda do Norte do Reino Unido e a criação de um “grupo de trabalho republicano” que envolvesse a Irlanda do Norte e a República da Irlanda – foi assassinado por membros da Loyalist Volunteer Force que combatia o republicanismo irlandês.
Em abril, Lyra McKee juntou-se à fatídica lista.