Joga, hoje, o Benfica em Vila do Conde e, convenhamos, não haverá portista que não cruze os dedos na esperança de este possa ser o lugar fatídico no qual as águias se espalhem ao comprido e percam de vez a liderança do campeonato. Veremos. Não abrimos estas linhas com a intenção bacoca de previsões que não lembrariam ao Professor Karamba, caramba!, mas sim com a vontade de recordar a primeira deslocação dos benfiquista a Vila do Conde, essa cidade com nome de vila, ali encaixada entre a Póvoa de Varzim, Famalicão, Trofa, Maia e Matosinhos, de tal ordem que podemos correr o risco de esquecer que se escapa à beira Atlântico ao longo da avenida Júlio Graça e até à Capela de Nossa Senhora da Guia com a praia da Azurara do outro lado da foz do Ave.
Durante alguns anos caminhei para o Estádio dos Arcos, uma e outra vez, na demanda dos jogos de futebol marcados na agenda dos jornais em que trabalhei, durante outros anos fui lá em busca de umas horas de conversa com o Morais, João Morais, esse mesmo, o Morais do canto que deu ao Sporting a Taça das Taças, ou melhor o Morais do cantinho de Pereira Simões: «Um golo do Morais/que não esquece mais/Vivò Sporting!/gritou a multidão em ovação/que teve a raça pra ganhar a grande taça/pois então…».
Grandíssimo Morais! Gostava de taramela. De falar daquele lance em que derrubou o Pelé no Mundial de 1966, deixando-o a coxear – «Ele já estava todo partido do jogo contra os húngaros!» – e do seu Rio Ave com cuja camisola jogou mal se sentiu a mais em Alvalade. Morreu em 2010. Acho que, desde aí, não voltei a Vila do Conde. Há memórias nas quais é preferível não tocar…
A opção…
Outras memórias ganham, pelo contrário, estatutos de indispensáveis. Em 1979, o Rio Ave estreava-se como equipa de I Divisão. Quarenta anos se passaram entretanto. Logo à segunda jornada, recebeu o Benfica. Dia 2 de setembro. Tinha um treinador argentino, sem currículo assinalável, Ruben Garcia, e jogadores como Rodrigues Dias e Paquito, Florival e Meireles, Tininho, Mário Reis e Álvaro Soares.
Pois… nada que assustasse por aí além o Benfica de Mário Wilson mais os seus Bento, Humberto Coelho, Chalana, Shéu, Nené ou Pietra. O resultado foi tranquilo: 3-0 para os de Lisboa e tomara este Benfica, de hoje, repetir a proeza amanhã. Em redor do Campo da Avenida, um charivari: vendedores de bifanas, de bandeirinhas, de almofadas para os que sentiam o desconforto nadegueiro das bancadas de cimento, bilhetes de última hora e pacotes de farturas. Era a festa. Os jornalistas queixaram-se: deixam entrar toda a gente para a bancada de imprensa! Pinto da Costa e Reinaldo Teles resolveram instalar-se por lá, não se sabe se com bloco-notas e lápis ou apenas com vontade de decorarem tudo o que iam vendo.
O campo pelado podia jogar a favor dos vilacondenses, mas não foi por aí que o Benfica se deixou ludibriar. Lá foi trocando a bola, sem pressas, na certeza de que o golo haveria de surgir, mais cedo ou mais tarde, como aquelas inevitabilidades naturais na lista das quais cabem tufões e terramotos à mistura com dias continuados de sol a esmo. Aos 17 minutos, Reinaldo fez o 1-0 e a vitória ficava, por assim dizer, guardada no bolsinho do colete.
Numa época em que o FC Porto ia na busca furiosa do seu primeiro tri, o Sporting seria um surpreendente campeão. O Benfica não iria para além do terceiro lugar e o Rio Ave tratou de descer para a II Divisão tão depressa como tinha subido, somando apenas 13 pontos na tabela final, 16º e último classificado sem que houvesse quem discutisse a correção dos números.
De Chalana esperava-se sempre tudo e mais um par de botas mas a verdade é que o bom do Fernando embirrou com aquela coisa do macadame e não foi além de umas fírulas vistosas mas inconsequentes. Ao 70 minutos, Jorge Gomes entrou para o seu lugar.
Primeiro estrangeiro da história do Benfica, Jorge Gomes nunca teve um estatuto privilegiado no clube. Mário Wilson não lhe dava importância primordial. Limitava-se a dizer: «Jorge Gomes é mais uma opção». Nas bancadas, os adeptos que o alcunhavam de Buda, quando os resultados demoravam a avolumar-se, gritavam: «Ò Buda! Mete a opção!». Nessa tarde de Vila do Conde, a opção tratou de acabar com a querela: 63 e 88 minutos. Dois golos. Três a zero!