Aqueles adeptos do futebol nacional que alimentam um gosto especial por seguir as camadas de formação já estão há algum tempo familiarizados com o fenómeno. Os restantes, porém, começam agora a prestar mais atenção, especialmente depois da caminhada gloriosa dos juniores do FC Porto na UEFA Youth League, a Liga dos Campeões do escalão, que terminaria com o inédito triunfo na final frente ao Chelsea (3-1).
Afonso Sousa não foi um dos titulares. Lançado aos 63 minutos, viria a selar a vitória portista a um quarto de hora do final do encontro. Presença assídua no onze da equipa que segue na segunda posição do nacional de juniores, a um ponto do Benfica (embora com menos um jogo), na competição europeia acaba por ter de respeitar a hierarquia, dado que a equipa que alinha na UEFA Youth League é reforçada com elementos preponderantes da equipa B, como Romário Baró, uma das figuras da II Liga.
Mas Afonso é o futuro. E traz também consigo muito passado. Quem olhar para a cara do menino com olhos de ver consegue encontrar os traços dessa história – e quem olhar para as suas qualidades futebolísticas também. E depois, claro, o apelido dá a ajuda final: Afonso é neto de António Sousa, um dos heróis dos dragões na histórica final de Viena, em 1987, quando o FC Porto bateu o todo-poderoso Bayern Munique (2-1) e se sagrou pela primeira vez campeão da Europa de futebol.
É verdade: o avô Sousa, também médio centro, foi campeão europeu pelo FC Porto (além de oito outras conquistas, entre as quais uma Taça Intercontinental, uma Supertaça Europeia e um campeonato, e de 27 internacionalizações A por Portugal, com presenças no Euro 84 e no Mundial 86); o neto Sousa também – de juniores, é certo, mas foi. Pelo meio, o pai Sousa, Ricardo, também ele médio, jogou igualmente nos azuis-e-brancos, embora com menos aproveitamento: apenas cinco jogos oficiais pela equipa principal, que valeram a conquista de uma Supertaça.
Por agora, Afonso ainda espera a estreia na formação comandada por Sérgio Conceição – não tem, de resto, ainda qualquer presença na equipa B. Os planos do FC Porto para com o médio, porém, ficaram bem patentes ainda no passado dia 3 de abril, com o clube a anunciar a renovação do contrato com o promissor atleta até junho de 2021. «Tenho muito orgulho no meu pai e no meu avô, mas quero fazer o meu trajeto. Cresci com eles, sigo os conselhos deles mas quero fazer a minha carreira e alcançar os meus objetivos», referiu então Afonso. As prioridades parecem estar bem definidas na casa dos Sousas.
O CLÃ CONCEIÇÃO
Afonso Sousa é apenas um de vários exemplos de estrelas a despontar no futebol nacional que carregam os genes familiares. Ainda na triunfante equipa portista orientada por Mário Silva, encontra-se outro jogador (porventura até o mais entusiasmante) filho de um antigo internacional português: Fábio Silva, ponta-de-lança de apenas 16 anos que leva uns estonteantes 31 golos em 35 jogos pelos juniores esta temporada – cinco dos quais na Youth League. O seu pai, Jorge Silva, atuava como médio (ou central). Passou grande parte da carreira no Boavista e somou duas internacionalizações A por Portugal, além de ter estado presente no Europeu de sub-16 em 1992 (quarto lugar) e no Mundial de sub-20 em 1995 (terceiro posto).
Descendo um escalão no clube portista, até aos juvenis, saltam à vista mais dois apelidos que denunciam os laços familiares de dois atletas: Conceição e Folha. Francisco Conceição, extremo de 16 anos (15 golos em 24 jogos), é filho de Sérgio Conceição, precisamente o treinador da formação principal do FC Porto; Bernardo Folha, médio de 17 anos (dois golos em 18 jogos), tem como pai António Folha, outra glória portista e atualmente treinador do Portimonense.
O caso da família Conceição é, na verdade, um dos mais curiosos: é que Sérgio Conceição tem cinco filhos (todos rapazes) e quatro deles são futebolistas – o mais novo tem apenas três anos. Curiosamente, todos têm trilhado percursos bastante distintos na formação: Francisco, por exemplo, é o único a representar neste momento o FC Porto, clube onde chegou apenas esta temporada depois de um ano no Padroense e seis… no Sporting.
Francisco é o segundo mais jovem. O mais velho, de 22 anos, tem o mesmo nome do pai, Sérgio, e passou a formação maioritariamente em clubes onde o atual treinador do FC Porto desempenhou funções técnicas, como o PAOK (Grécia), o Standard Liège (Bélgica), o Olhanense ou a Académica. A nível sénior, representou Felgueiras, Sobrado, Oliveira do Barro, Espinho, Cesarense e a equipa satélite do Chaves, para onde se transferiu a meio desta temporada, numa carreira até agora passada entre o Campeonato de Portugal e os escalões distritais.
Depois de Sérgio, chegou Rodrigo, aquele que mais polémica tem causado – não por qualquer ação sua, mas pelo clube onde alinha desde 2014: o Benfica. Hoje com 19 anos, o extremo tem vindo a trilhar o seu caminho nos escalões de formação dos encarnados, com a primeira amostra de real mediatismo a surgir há precisamente dois anos, quando assinou contrato profissional com as águias – exatamente ao mesmo tempo que Sérgio Conceição era confirmado como treinador principal do FC Porto, com alguns dedos acusatórios a virar-se (de forma absolutamente infundada, claro está) ao jovem atleta. Imune aos comentários de café e redes sociais, Rodrigo Conceição (internacional dos sub-16 aos sub-19) vai somando prestações positivas, tendo esta época representado já três equipas diferentes: fez três jogos nos juniores, 20 (e cinco golos) nos sub-23 e ainda cinco na equipa B. Pelo meio, tem já feito vários treinos com a formação principal, tanto com Rui Vitória como com Bruno Lage.
Falta falar de Moisés, de 18 anos e o membro do clã com características menos ofensivas (é médio defensivo)… pelo menos no relvado: é que fora dele, particularmente nas redes sociais, tem-se revelado bastante acirrado na defesa do pai. Depois de passar pelas camadas jovens de Belenenses, Olhanense, Imortal, Boavista, Leixões, Anadia e FC Porto, mudou-se esta temporada para os juniores do Feirense.
BENFICA? PACIÊNCIA…
A meio desta temporada, outra transferência protagonizada por um filho de uma velha glória portista causou ruído para os lados do Seixal. Vasco Paciência, que vinha a dar nas vistas ao serviço dos juniores do Boavista (seis golos em 12 jogos), assinou até 2023 pelo Benfica – ele que até foi apontado pelo próprio pai, o antigo avançado Domingos, como o seu filho mais parecido consigo no estilo de jogar.
Vasco, de 19 anos, é irmão de outro avançado filho de Domingos: Gonçalo Paciência, de 24 anos, já internacional A português e atualmente a jogar nos alemães do Eintracht Frankfurt – marcou, inclusive, um golo na Luz que acabou por se revelar decisivo para o apuramento para as meias-finais da Liga Europa… à custa do Benfica. Ambos fizeram praticamente todo o percurso de formação no FC Porto e não escondem que é esse o clube do seu coração, mas… a vida dá muitas voltas, e Vasco acabou por assinar pelos rivais. «Não vou mentir e dizer que foi normal, porque não foi. Mas vou estar sempre do lado dele», disse há pouco tempo Gonçalo, em entrevista ao jornal A Bola.
Para já, Vasco soma cinco jogos e um golo nos juniores dos encarnados, constituindo-se como mais uma promessa do futebol português. Gonçalo, por seu lado, tenta superar o calvário de lesões e regressar à forma que o levou na época passada a estrear-se pela seleção A. Por agora, leva cinco golos em 16 jogos pelo conjunto alemão, pelo qual assinou no início desta temporada, pondo fim a uma ligação de 15 anos aos azuis-e-brancos.
Também no Sporting se encontram descendentes de ex-craques. Miguel Luís, um dos jovens mais promissores das últimas fornadas da Academia leonina, é filho de Nuno Luís, lateral-direito formado nos leões e que cumpriu vários anos na I Liga, entre Académica, Campomaiorense e Nacional. Já nos juvenis evolui Nélson Pereira, atacante de 16 anos que acabou por não sair ao pai neste aspeto: é que o menino Nélson é filho do antigo guarda-redes com o mesmo nome, campeão pelo Sporting em 2001/02 e internacional A por Portugal (marcou presença no Mundial 2002) e hoje treinador de guarda-redes dos leões.
A influência dos genes no futuro dos potenciais craques, porém, não se esgota em território nacional. No estrangeiro, são também já inúmeros os exemplos de futebolistas portugueses filhos de antigos internacionais que começam a despontar. É o caso de André Vidigal, que aos 20 anos acaba de se sagrar campeão de Chipre, pelo APOEL, já depois de ter festejado a subida à I Liga holandesa pelo Fortuna Sittard. André é filho de Beto Vidigal, o irmão mais velho de um clã onde o mais destacado foi Luís Vidigal, campeão pelo Sporting em 99/00 e internacional A por Portugal em 15 ocasiões (esteve no Euro 2000).
Em julho passado, foi anunciado que Tiago Teixeira, Luís Boa Morte e Rafael Dimas iriam mudar-se para clubes norte-americanos, ao abrigo de um acordo alinhavado com a Next Level Sports, empresa de consultoria especialista na localização de Bolsas de Estudo em universidades norte-americanas. Os três são filhos de antigos internacionais (curiosamente todos eles ex-jogadores do Sporting): Delfim, Boa Morte e Dimas. E em Inglaterra evoluem ainda outros ‘lusos’ filhos de ‘peixe’, embora aqui com algumas nuances: Domingos Quina (Watford) é filho de Samuel, antigo defesa de Benfica, Boavista e Vitória de Guimarães; Xande Silva (West Ham) é internacional sub-21 português mas o seu pai, Quinzinho (que faleceu recentemente), era internacional angolano; já Angel Gomes, uma das maiores promessas da formação do Manchester United, é filho de Gil, campeão mundial de sub-20 por Portugal em 1991, mas já nasceu em Inglaterra e, por isso, representa as camadas jovens da seleção dos três leões.