Em 3 de agosto de 2018 fui o passageiro 57 da carruagem 4 do Alfa Pendular (AP) 133 de ligação Lisboa-Porto. Na altura, embarquei numa aventura a qual tive oportunidade de descrever num artigo de opinião como A História da Carruagem 4. Ambiente dramático e cenário típico de um filme de Hollywood, mas desta vez sem Wesley Snipes.
Estávamos no pico do verão e de uma vaga de calor que deixou, mais uma vez, o ar condicionado do AP paralisado.
Esta semana, a poucos meses do verão, o Público noticiou que a CP está «sem recursos para evitar uma nova crise ferroviária no verão», dando como exemplo a dificuldade em manter o material circulante operacional por falta de manutenção, tanto ao nível das automotoras nas linhas do Minho e do Douro, como das carruagens dos Intercidades. O problema é que as referidas automotoras já eram usadas quando foram alugadas a Espanha em 2011, para suprimir uma necessidade considerada temporária, enquanto não avançava a eletrificação da rede ferroviária de acordo com o plano Ferrovia 2020. Entretanto, a eletrificação das vias não se concretizou e as automotoras estão a atingir o momento de pararem para revisão geral. Nos Intercidades, quase 30% das carruagens estão encostadas nas oficinas à espera de manutenção.
Em paralelo, a chegada da troika em 2011, ‘obrigou’ à renegociação das parcerias público-privadas (PPP) rodoviárias de forma a trazer alguma poupança imediata, mas devolveu à esfera do Estado a responsabilidade pelos encargos com a reparação de troços de estrada que antes estavam na órbita dos privados. Entretanto, com as obras de manutenção, como por exemplo as dos pavimentos a cada dez anos, aproximadamente, a fatura das grandes reparações irá começar a surgir no orçamento da empresa Infraestruturas de Portugal e, consequentemente, no orçamento do Estado.
Todos sabemos que a realidade económica e financeira do país não é a mais apropriada para grandes programas de manutenção preventiva das redes de transporte, mas temos de ter noção de que adiar investimentos nas infraestruturas tem implicações na segurança, no conforto, no custo de operação pelos seus passageiros, no agravamento das contas do Estado associado a acréscimo de despesa extraordinária e, no final, no funcionamento de toda a economia nacional.
Assim, constatando todos estes adiamentos sucessivos nos investimentos na ferrovia, será que o país estará em condições, a curto prazo, de acumular os mesmos com os encargos emergentes da manutenção das estradas que estavam sob a órbita das PPP rodoviárias? Este assunto merece uma reflexão cuidada.
*Diretor da Licenciatura e do Mestrado em Engenharia Civil
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias