Há em muitos adultos uma tendência natural para enganar as crianças. Se num dia se atiram ao ar porque o filho mentiu, no dia seguinte mentem impunemente, sem se aperceberem de que mentir a uma criança é, à partida, muito pior do que mentir a um adulto. Um valor que é a base da educação e que os pais tentam a todo o custo transmitir acaba simplesmente por ser traído sem que deem conta disso.
Assistimos com facilidade a mentiras aparentemente inocentes em parques infantis. Com receio do berreiro e de ter de arrastar o filho até casa, muitos pais simplificam a tarefa dizendo: ‘Vamos embora para outro parque’, ‘vamos e já voltamos’ ou ‘vamos comer um gelado’. Qualquer coisa suficientemente tentadora que a alicie a sair dali de forma rápida e silenciosa. Depois a criança começa a aperceber-se que nada do que imaginou vai acontecer, mas nesse momento já está longe do olhar dos outros e mesmo que fique irritada – e com razão – para os pais é um mal menor. O que não é um mal menor são estas expectativas que se criam diariamente e que depois são frustradas. A excitação e depois a frustração, de forma repetida, de desejar qualquer coisa que depois não se realiza, pode ter consequências graves nestes seres humanos em formação, e está até entre as causas de algumas psicopatologias. Por outro lado, à medida que os pais mentem aos filhos, vão sendo desacreditados e as pessoas em quem estes mais deveriam confiar, deixam de ser fiáveis.
Se isto acontece com as boas expectativas, também acontece com as más. Quantas vezes ouvimos pais com ameaças, muitas vezes impossíveis, a torto e a direito, quando não encontram outra forma de controlar o filho? Fazem ameaças exageradas que depois não irão cumprir. ‘Ficas sem playstation para o resto da vida’, ‘ficas de castigo até aos 18 anos’, ‘nunca mais vais a uma festa’, etc. Não vale a pena voltar a ameaçar porque já não serão credíveis e o respeito que lhes tinham também começa a escassear.
As promessas são para ser cumpridas. Sejam boas ou más. Se não são exequíveis então não devem ser ditas e os adultos já são suficientemente crescidos para pensarem antes de falar e dizerem só o que sabem que vão conseguir cumprir. Pelo bem do seu filho e de si próprios.
Ilude-se quem pensa que as crianças não prestam atenção ou que se esquecem do que se lhes diz. As crianças ouvem atentamente, mesmo que às vezes não pareça, têm uma memória prodigiosa e muito menos coisas com que se preocupar do que os adultos, por isso, o que lhes é dito é guardado e pensado. Não cai em saco roto.
Mesmo que se tenha de ir pelo caminho mais difícil – que é o de enfrentar as feras e a verdade e assumir as consequências – acredito que é o caminho certo e não abro mão dele. Se os pais não são capazes de o fazer também não podem exigir aos filhos que o façam.
Temos de saber com que valores queremos educar os nossos filhos e se seremos dignos da sua confiança. Os valores transmitem-se sobretudo por imitação e muitos adultos dão o exemplo errado.
Não há mentiras inocentes. Há mentiras e há verdades. E se os adultos consideram as suas mentiras inocentes, como podem condenar as de uma criança?