O atual campeão do nacionalismo italiano costumava odiar tanto os seus compatriotas sulistas que até torceu pela vitória da Alemanha no mundial de 2006. «Itália é o pior do pior», afirmou na altura Matteo Salvini, o atual ministro do Interior, acrescentando que o seu apoio ia «para qualquer outro país que seja mais sério». Desde então, o líder da antiga Liga Norte tomou as rédeas daquilo que era um pequeno partido regional, que exigia maior autonomia para o norte de Itália – a região mais rica do país – e transformou-o numa força nacional, alicerçado numa agenda antimigração que passou a dominar a disputa política. Longe vai a memória do líder da Liga a cantar que os napolitanos «cheiram tão mal que até os cães fogem», entre tiradas racistas que os acusavam de prejudicar a economia. Hoje, o partido de Salvini – cuja mera presença em Nápoles causou motins violentos em 2017 – até consegue ganhar eleições locais no sul do país. Algo que mostra bem como as antigas rivalidades foram habilmente substituídas no imaginário italiano por um inimigo comum – os imigrantes desesperados que desembocam nas costas de Itália.
A grande oportunidade de Salvini para subir ao poder surgiu em 2013, quando Umberto Bossi – o líder da Liga Norte por três décadas – foi afastado por um dos vários escândalos de corrupção que envolveram o partido. Face a sucessivos desastres eleitorais, Salvini não hesitou em abandonar a retórica da supremacia nortenha, focando-se em alertar contra «invasores» imigrantes e apelar à destruição de acampamentos ciganos. Enquanto isso, a Liga ia mantendo uma aliança tensa com o Força Itália, do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi – o magnata das comunicações e anfitrião das famosas festas do ‘bunga bunga’ – que oscilava entre rival e parceiro maioritário de coligação. Durante anos, Berlusconi não escondeu o seu desprezo por Salvini, até ser ultrapassado por este nas eleições de 2018 – o ano chave do crescimento do nacionalismo em Itália.
Foi nesse ano que a Liga Norte se apresentou pela primeira vez a eleições como partido nacional, deixando até cair o Norte do nome. Como bom camaleão político, Salvini adaptou-se ao crescente discurso xenófobo em Itália, que ia infiltrando tanto as discussões no Parlamento como as conversas de café por todo o país. Berlusconi tentou acompanhar o ritmo, exigindo a deportação de centenas de milhares de imigrantes do país – mas entre a cópia e o original, os eleitores mostraram preferir o original. Para espanto de toda a gente, a Liga conseguiu 17,4% dos votos – passando de partido marginal para terceiro maior de Itália. Mais importante ainda, a Liga ficou com a faca e o queijo na mão quanto à formação de um novo Governo, após o Partido Democrático, do anterior primeiro-ministro, Matteo Renzi, não se conseguir entender com o Movimento 5 Estrelas (M5S) – que até aí parecia ser a grande força em ascensão. O M5S nem sabia no que se estava a meter quando convidou a Liga a formar Governo – aceitando a exigência de Salvini de ficar com o ministério do Interior.
Rapidamente o novo ministro – cuja pasta trata do controlo da imigração e da segurança interna – pôs mãos à obra para tirar espaço político ao seu novo parceiro de coligação, o líder do 5 Estrelas, Luigi Di Maio. O combate à corrupção – que tinha sido a grande bandeira do M5S – ficou relegado para segundo plano, graças às polémica levantada pelas sucessivas recusas de Salvini em aceitar a entrada de embarcações de resgate de imigrantes, propondo um censo da população cigana no país, com o propósito declarado de expulsar todos os que não tivessem cidadania – vivessem em Itália há gerações ou não. Algo que ganha ainda mais significado político quando conjugado com as referências fascistas que surgem em declarações do ministro do Interior – que ainda esta semana se dirigiu aos seus apoiantes de uma varanda onde o ditador Benito Mussolini assistiu à execução de vários adversários. Os manifestantes que protestaram contra o comício, cantando
a Bela Ciao – o hino da guerrilha contra o fascismo – têm razões para temer o regresso a um passado sombrio. O líder da Liga respondeu através do Twitter, citando o ditador italiano: «Tantos inimigos, tanta honra».