Há muito que se sabe que as ações do ser humano estão a causar a subida do nível do mar e a esgotar os lençóis aquíferos. As cidades, onde grande parte da população humana se concentra nos dias hoje, não podiam ficar à margem dos riscos e das alterações climáticas. E Jacarta, capital da Indonésia, é o exemplo perfeito de como o ser humano moldou o espaço à sua volta, explorando e esgotando-o. A veloz urbanização, muitas vezes mal planeada e construída, destruiu milhares de hectares de mato e floresta, a poluição é das mais altas do mundo, a cidade está sobrepopulada e, com a subida do nível da água do mar, pode mesmo desaparecer. Não agora, mas daqui a algumas décadas. Pelo meio, os lençóis aquíferos estão longe de ser o que eram, colocando em risco o aglomerado populacional de 140 milhões de pessoas. Há zonas da cidade que se estão a afundar cerca de 25 centímetros por ano. Estima-se que até 2050 cerca de 95% do norte da cidade fique submersa.
Para contornar o problema, o Presidente indonésio, Joko Widodo, anunciou recentemente que Jacarta, desde sempre o centro do poder no país, deixará de ser a capital da Indonésia. A cidade continuará a existir e o tráfico a ser caótico. Apenas os centros de decisão, como ministérios, serão deslocados.
«Esta é uma grande tarefa, impossível de fazer em apenas um ano. Pode levar até dez anos», explicou o ministro do Planeamento indonésio, Bambang Brodjonegoro, à Associated Press. O anúncio foi feito depois de o Governo indonésio se ter reunido. «A ideia é mover-se a capital, mas nunca foi decidido ou discutido de uma forma madura e planeada», disse Widodo antes de entrar para a reunião à Associated Press. Por agora, há três possíveis planos em discussão: os edifícios governamentais serem deslocados para uma zona especial próxima do palácio presidencial; instalar-se os ministérios numa área próxima de Java; e, por fim, a deslocalização para um local ainda por decidir, que, porventura, será a cidade de Palangkaraya, na ilha de Kalimantan. Finda a reunião, o chefe de Estado anunciou que a terceira opção foi a escolhida.
Um processo absurdo? A situação de Jacarta é amplamente conhecida pelos indonésios e o anúncio do chefe de Estado não surpreendeu a grande maioria da população. Mas, de tantas vezes repetida – desde 1957, na presidência de Sukarno – e nunca levada a cabo, aos poucos a ideia deixou de ser encarada com seriedade. Até agora.
«As pessoas já ouviram isto, mas agora está a tornar-se mais frequente, de cada dois a cinco anos», explicou Elisa Sutanudjaja, diretora do centro de Rujak para os Estudos Urbanos, ao Guardian. A emergência está a aumentar e com ela os avisos, mas também a contestação. «Toda a ideia é colocar-se os mais importantes processos políticos numa área [Kalimantan] que já é o centro de uma crise ecológica é absurdo», criticou Hendro Sangkoyo, cofundador da Escola de Economia Democrática, ao jornal britânico. Comparou a operação a «mover-se Camberra para o centro da Austrália, mesmo no meio do deserto». Além disso, continua o economista, o problema é não haver «qualquer mudança no planeamento espacial», o que faz com seja o «pior tipo de desenvolvimento». Um desenvolvimento que, garantiu, beneficiará apenas a oligarquia indonésia ao criar novas oportunidades de construção.
A Indonésia é recorrentemente alvo de furacões e cheias abruptas, causando milhares de deslocados e dezenas de mortos de tempos a tempos. Com a descida do relevo da cidade, Jacarta fica ainda mais permeável a cheias e à subida do nível do mar. «De facto, o movimento vertical da terra é tão importante quanto o aumento do nível do mar, mas infelizmente recebe muito pouca atenção por ser um processo lento», disse o geofísico Manoochhr Shirzaei, da Universidade do Estado do Arizona, nos Estados Unidos, ao Wired. Mesmo que Jacarta conseguisse travar a descida do nível de solo, confrontar-se-ia na mesma com a subida do nível do mar.
O Cairo já é duas vezes maior do que Nova Iorque A capital indonésia não é a única a confrontar-se com a descida do nível do solo. A capital do México também se está a afundar, e mais ainda: à velocidade de um metro por ano. Ao mesmo tempo, enfrenta uma crise de água potável por excesso de exploração. «Em todos os locais onde bombearam as águas subterrâneas dos poços, o solo afundou. Sem água, os sedimentos sobre os quais a cidade foi construída comprimiram ainda mais», explicou Eddie Bromhead, engenheiro geotécnico da Universidade de Kingston, no Reino Unido, ao Guardian. Um erro que tem sido repetidamente cometido nos últimos 500 anos, desde que os conquistadores espanhóis derrotaram os astecas e colonizaram o subcontinente. Construíram a cidade por cima de lagos e foram drenando a água.
«Os astecas geriam-no, mas tinham 300 mil pessoas. Nós temos agora 21 milhões», explicou Loreta Castro Reguera, arquiteta que se especializou no solo mexicano, ao New York Times. Uma situação que já está a afetar a população da cidade, com a falta de água potável nos meses quentes a ser a principal consequência, principalmente para os mais pobres.
Se um dos grandes problemas da Cidade do México é a falta de água, no caso do Egito isso não é um obstáculo. Com o objetivo de substituir a ancestral Cairo como capital, o Governo egípcio avançou com a construção do zero de uma nova entre o Rio Nilo e o Canal do Suez. Terá 700 quilómetros quadrados, albergará 34 ministérios, a que se junta um complexo presidencial. Será do tamanho de Singapura e tem como objetivo aliviar a pressão sobre o Cairo, cidade sobrepopulada e sem grande ordenamento territorial – o caos vivido nas ruas é um sintoma. A capital não aguenta mais população para além da que já tem, pois todos os dias centenas de pessoas chegam ao Cairo à procura de trabalho e de novas oportunidades de vida. A capital é já duas vezes maior que Nova Iorque, nos Estados Unidos, e acolhe um quinto dos 97 milhões de egípcios.
«O Estado egípcio precisa há muito deste tipo de projeto», disse o antigo brigadeiro-general Khaled el-Husseiny Soliman, responsável pela coordenação na Administração para o Desenvolvimento Urbano egípcia. «Podemos falar do Cairo como uma capital cheia de trânsito, muito populada. As suas infraestruturas já não conseguem absorver mais pessoas», explicou o militar, referindo que na nova capital «o exército estará no comando e controlá-la-á pelo centro». Esta nova cidade será ‘inteligente’ e terá extensos espaços verdes, mesmo que esteja no meio do deserto. Todavia, não se sabe se o cidadão comum poderá viver na nova cidade se assim o desejar.
Depois do golpe de Estado que afastou do poder o primeiro presidente democraticamente eleito nas últimas décadas no país, Mohammed Morsi, os militares precisam de mostrar obra feita. Alargaram autoestradas, construíram estradas, um novo Canal do Suez e o maior parque de painéis solares do mundo, mas parece não ter chegado. E esta nova capital é esse salto em frente, ou pelo menos assim se pretende. «O Egito precisava de uma mudança de imagem», disse Khaled Adham, investigador em arquitetura e planeamento urbano, à NBC News, acrescentando que «se se estiver à procura de empresas internacionais para permanecerem no Egito, então há a necessidade de desenvolver por o Cairo e outras partes do Egito já não serem atraentes».
Com os militares no poder, construir grandes projetos urbanísticos torna-se uma tarefa mais simples. Uma parte muito significativa do território nacional é propriedade dos militares e do Estado, o que lhes permite ter acesso ao solo sem dificuldades burocráticas e legais.
Mas não é a primeira vez que se constrói uma cidade de raiz no meio do deserto egípcio. Aconteceu com a cidade de Sadat, de 94 quilómetros quadrados, estabelecida em 1978. Erigida para ser um centro urbano entre o Cairo e Alexandria, décadas depois não é mais que um retumbante falhanço. Possui uma população de 150 mil pessoas, menos que muitas cidades rurais. Ao contrário de Sadat, a futura nova capital terá a casa dos centros de decisão governativos, o que lhe proporciona mais hipóteses de sucesso.