O país vive, suspenso, até ao final da tarde, um estado de entrelaçamento da realidade em que qualquer cenário é possível, à semelhança da experiência mental que o físico austríaco Erwin Schrödinger desenvolveu em 1935 e na qual um gato, fechado dentro de uma caixa, estava simultaneamente vivo e morto até que fosse possível espreitar para dentro da mesma. Até às 20:30 este jornal é para si, caro leitor, a caixa do Gato de Schrödinger, na qual Benfica e FC Porto são simultaneamente campeões nacionais 2018/19. Depois de soar o apito final na Luz e no Dragão regresse aqui, a estas páginas, e escolha a realidade alternativa que passar a vigorar. Até lá, ambas são reais e, por incrível que possa parecer, aquela que não se concretizar não deixará de encerrar em si mesma um tremendo fundo de verdade, o que só por si merece uma profunda reflexão por parte de todos nós que teimamos em avaliar a qualidade do trabalho realizado apenas e só em função dos resultados.
O Futebol Clube do Porto acaba de sagrar-se Campeão Nacional pela 29.ª vez na sua história! Contra todas as expectativas geradas a partir do momento em que o Benfica, no início de Março, consumou a ultrapassagem ao eterno rival vencendo em pleno Estádio do Dragão, o FC Porto logrou uma recuperação milagrosa na última jornada da Liga e, sob a batuta de Sérgio Conceição, alcançou o principal objetivo da temporada: o bicampeonato. Num ano marcado por inúmeras polémicas dentro e fora dos relvados, mas acima de tudo por um VAR que insiste em dar provas de que não é uma ferramenta eficaz nas mãos dos árbitros portugueses e sob a alçada de quem tutela o futebol nacional, o FC Porto acabou mesmo por ser mais forte do que o Benfica e conquistou o título com inteira justiça. Afinal de contas, quem recupera uma desvantagem de 2 pontos na derradeira jornada e chega ao final da competição na frente, tem de merecer ser campeão. E esse é o legado que deve sempre prevalecer para as gerações vindouras nas memórias da extraordinária disputa que se viveu entre estes emblemas eternos na temporada que agora culmina. Parabéns aos vencedores – que tão brilhantes estiveram na sua demanda – e honra aos vencidos – que tão abnegados se mostraram na tentativa de travar o novo campeão.
Esta épica conquista tem inúmeros rostos que são transversais a toda a realidade do clube, mas inevitavelmente há um nome que se eleva acima dos demais: Sérgio Conceição, como não poderia deixar de ser. Se alguém merece este título, é ele. E se a alguém os portistas devem este 29.º Campeonato Nacional, é sem dúvida ao timoneiro que assumiu uma nau sem rumo já no início da época anterior. Contratado num contexto de profunda crise financeira e sabendo de antemão que não fora a primeira aposta do Presidente Pinto da Costa, começou por ser encarado apenas como um ‘homem da casa’ para rapidamente passar a ‘treinador de topo’, não sem antes conquistar a admiração de todo o universo azul e branco, não só pela forma aguerrida como colocou a equipa a jogar, mas também pela frontalidade, pela irreverência e pela eterna insatisfação que colocou em todas as suas intervenções públicas. Um homem diferente, um treinador competente, um jovem com um futuro brilhante pela frente, sem sombra de dúvida. Porque um técnico capaz de recuperar vários jogadores que estavam emprestados e ostracizados, montar um plantel vencedor num contexto de grandes dificuldades financeiras, e ainda assim superar a barreira dos 170 pontos acumulados nas duas ligas que disputou, tem de ter algo de verdadeiramente especial. Que ninguém duvide disso.
Além de Sérgio Conceição, uma palavra também para Jorge Nuno Pinto da Costa. Equívocos e apostas falhadas nas épocas que antecederam a chegada de Sérgio ao clube, alguns erros de casting na construção do plantel, mas acima de tudo uma tremenda capacidade de manter o foco no objetivo do título e, no decorrer do processo, ver ainda os juniores do FC Porto sagrarem-se Campeões Europeus. A afirmação dos jovens da formação na equipa principal não tem sido muito comum – salvo raras e honrosas exceções – mas as conquistas que os ‘dragõezinhos’ têm vindo a alcançar ano após ano parecem mostrar cada vez mais que o caminho não pode ser outro que não a aposta no talento destes jovens, daí o investimento na construção da nova Academia que deverá arrancar já em 2020 e que poderá ser a última grande obra do atual presidente. Esta e todas as outras conquistas dos últimos 35 anos têm um obreiro máximo, Pinto da Costa, e isso é algo absolutamente impossível de contestar na história do FC Porto. O caminho faz-se caminhando, é certo, e por mais próximo que pareça estar o fim, as perspetivas serão sempre muito mais favoráveis ao clube pós-Pinto da Costa do que no momento em que este chegou pela primeira vez à Presidência.
Por fim, uma nota para os jogadores, afinal de contas os principais artífices desta conquista. Impossível não destacar a preponderância ofensiva de Marega e Brahimi, proscritos em tempos recentes e agora elevados a heróis da nação portista. Para Danilo e Herrera escasseiam adjetivos que descrevam a importância que sempre tiveram nos equilíbrios da equipa. Alex Telles já está num patamar reservado apenas aos predestinados, a dupla Felipe e Militão ‘ameaça’ reeditar-se pelo Brasil num futuro próximo, Soares foi o goleador de que o FC Porto precisou em momentos de maior aperto, Corona um talento que esperamos continuar a ver na Liga Portuguesa, e Otávio e Oliver são valores seguros que deverão serenar Conceição no processo de construção do plantel para a próxima época. Mas há alguém que merece um destaque muito especial: Iker Casillas, uma lenda que se despediu demasiado cedo da Liga mas que foi seguramente um dos mais influentes e determinantes nesta conquista. Parabéns a todos e uma certeza que não posso deixar de lembrar: caso o título tivesse fugido para o Benfica, nenhum dos elogios aqui lavrados deixaria de fazer sentido. O resultado final é e será sempre um fiel diapasão que avalia o sucesso de toda uma equipa, mas a qualidade do trabalho desenvolvido até ao desfecho não pode nunca ser esquecida.