Extrema-Direita e o mosteiro onde se vão formar líderes populistas

Steve Bannon, antigo estratega de Donald Trump e ex-diretor do Breitbart News, vai instalar uma academia para formar líderes nacionalistas e populistas num mosteiro nas proximidades de Roma, em Itália. É mais um esforço para assaltar o castelo europeu.

O nacionalismo e o chauvinismo da extrema-direita sempre a impediram de cooperar a nível europeu, mas, a pouco mais de duas semanas das eleições para o Parlamento Europeu de 26 de maio, essa imagem pertence ao passado. Hoje, coopera entre si e foca-se exclusivamente nos temas que as unem: anti-imigração, anti-LGBT e anti-Islão, defendendo uma mística cultura europeia contra uma qualquer perda de identidade. Há até quem queira construir de raiz uma coligação internacional para tomar de assalto o castelo europeu. Querem começar pelo Parlamento Europeu, mas ninguém sabe se por aí vão ficar. Neste movimento de placas tectónicas, duas figuras estão no seu centro: Matteo Salvini, líder da Liga e ministro do Interior italiano, e Steve Bannon, antigo estratega e conselheiro de Donald Trump e ex-diretor do media Breitbart News. O primeiro é o rosto, o segundo é o operacional. E, juntos, querem conquistar a Europa.

Qualquer assalto precisa de soldados, mas sobretudo de líderes nacionalistas e populistas, diz Bannon. Sabendo que a extrema-direita não é fértil a criá-los, o operacional está dedicado a fazê-lo no curto, médio prazo. E a nível europeu. Para isso, decidiu, depois de criar o The Movement, sediado em Bruxelas, Bélgica, avançar com a conversão de um velho mosteiro com 800 anos de história nas proximidades de Roma, em Itália, numa «academia» para treinar, como diz, «gladiadores modernos» para o combate contra o liberalismo político e, antes de mais, contra a esquerda que se diz revolucionária e que defende a abertura das fronteiras europeias. «Acho que o movimento nacionalista de soberania populista é sobre o reforço do Ocidente judaico-cristão», disse Bannon à norte-americana MSNBC, explicando que o objetivo é ter uma «academia que aproxima os melhores pensadores e que consegue verdadeiramente treiná-los para serem o que chamamos de gladiadores modernos».

Todos os movimentos precisam de centros de formação, de espaços de debate e partilha de experiências e, a nível europeu, esta sempre foi uma das grandes fragilidades da extrema-direita. Com este iniciativa, Bannon recupera parte do legado da esquerda marxista europeia: por exemplo, o SPD alemão, quando ainda se proclamava marxista, teve no início do século XX uma universidade de formação de quadros e a revolucionária Rosa Luxemburgo foi lá professora. Ensinava economia e foi em parte por isso que se tornou numa figura incontornável para o estudo do marxismo.

Várias foram as tentativas de aproximação entre a extrema-direita europeia, mas a História e o nacionalismo têm as suas armadilhas. Por exemplo, as extremas-direitas austríaca e italiana romperam recentemente relações após terem discutido a identidade nacional do Tirol do Sul, província definitivamente integrada na Itália com o Acordo de Paris, em 1945, e que antes pertenceu à Áustria. Nos últimos anos isso mudou e novas extremas-direitas nasceram e prosperaram, primeiro nas margens e depois até chegarem ao centro da política mundial, abalando-a como não acontecia desde as décadas de 20 e 30 do século passado. Bannon foi um dos seus promotores e sabe que qualquer avanço do seu campo político precisa de disputar a hegemonia ideológica – a extrema-direita recuperou e adaptou os ensinamentos do filósofo marxista italiano Antonio Gramsci–, daí ter trabalhado e dirigido o site de notícias Breitbart. Aos poucos, as suas mensagens furaram o panorama político, normalizando-se, e construiu uma rede de contactos que vai de costa a costa, do Alasca ao Texas, nos Estados Unidos. Foram parte da semente que levou Donald Trump à Casa Branca no final de 2016. Mas nem tudo lhe correu de feição, bem pelo contrário.

Afastado por Trump pouco depois de estar sete meses na Casa Branca, Bannon atravessou o Atlântico de malas e bagagens. Quer replicar a mesma receita ao velho continente, mas sabe que a realidade é bem diferente, bem como as desconfianças para consigo. Precisa de criar o seu próprio polo e alianças dentro do movimento de extrema-direita europeu, mostrar que tem algo a oferecer e que não deve ser ignorado. A academia no mosteiro é tanto um projeto para fortalecer o movimento como para se fortalecer a si próprio dentro do movimento. E o momento não podia ser melhor quando as europeias já estão aí ao virar da esquina, além de o próprio considerar ser um momento de encruzilhada política, o da «fase inicial de um conflito global». «Se não nos juntarmos como parceiros com outros de outros países, então este conflito vai metastatizar», disse o operacional.

Até há bem pouco tempo, o mosteiro era um local de calma e paz, habitado apenas por um velho monge de 83 anos e visita habitual de um jardineiro e dúzias de gatos vadios. Em várias salas do mosteiro, entre a poeira do tempo, estão estantes com mais de 30 mil livros, com o jardim a ser terreno fértil para plantas medicinais com séculos de idade. A paisagem, composta por montes e árvores, confere-lhe um ambiente pacífico e de reflexão. E, ao mesmo tempo, o misticismo está presente nas suas paredes, recheadas de cultura judaico-cristã.

Por agora, Bannon e o seu braço-direito, o britânico Benjamin Harnwell, estão à procura de professores e a remodelar as instalações para que seja uma verdadeira academia. Nos primeiros tempos funcionará em Roma, mas quando o mosteiro estiver pronto albergará dezenas, senão centenas, de futuros populistas e nacionalistas. Uma nova elite dirigente para tomar de assalto a Europa, um exército em que Bannon terá um papel destacado. Entretanto, Bannon paga uma renda mensal de 100 mil euros para poder usufruir do mosteiro.

«Vamos ensinar os pilares do populismo e do nacionalismo? Claro, absolutamente», afirmou Harnwell sem pudor ao Washington Post, garantindo que um «grande leque de outras coisas» também será discutido nas aulas, como a «tendência para onde pensamos que o mundo está a ir». Um dos professores será Bannon e dedicar-se-á ao ensino de «artes aplicadas dos novos media».

Mas o combate da academia não será apenas contra a esquerda e o establishment liberal europeu, mas também contra a Igreja Católica liderada pelo Papa Francisco, considerado demasiado liberal e até herege por alguns círculos mais conservadores na instituição, daí também a escolha do mosteiro. E Harnwell é a ligação entre Bannon e os cardeais e bispos que, aqui e ali, de tempos a tempos, atacam sem pudor o sumo pontífice.

O britânico instalou-se em Roma há oito anos, depois de trabalhar para o eurodeputado britânico conservador Nirj Deva – é novamente candidato pelo partido de Theresa May ao Parlamento Europeu. Aprendeu a falar italiano e deu-se a conhecer nesses círculos. Criadas as raízes, fundou o Human Dignity Institute, think thank que inclui o cardeal Raymond Burk, líder norte-americano da ala mais conservadora e reacionária da Igreja Católica, na sua lista de conselheiros. Não se sabe como o think thank é financiado, mas Harnwell disse apenas que o é por meio de «indivíduos privados». A verdade é que dinheiro – e em grandes quantidades – está a chegar de alguma forma às forças de extrema-direita europeias. E um dos presidentes honorários é Nirj Deva, segundo o Independent, a que se juntam outros nomes destacados entre o establishment conservador britânico: Sir Christian Sweeting, antigo candidato parlamentar e conhecido por dar acesso a ministros aos seus mais próximos, e Ben Harris-Quinney, diretor do think thank conservador britânico Bow Group e que se encontrou com Bannon em Londres no ano passado. O eurodeputado Deva explicou ao jornal britânico que o seu papel «tem sido maioritariamente o de promover o conhecimento do instituto junto» dos restantes eurodeputados. Mas a ligação a Bannon é bem mais direta. Em 2017, Deva encontrou-se com Bannon na Casa Branca, segundo o canal norte-americano OpenDemocracy.

A simbologia por detrás da escolha do mosteiro, bem como o projeto que o acolherá, não deixaram de ser publicamente contestado, tanto por elementos da Igreja Católica como pela população local. «Recomendo-lhe que garanta que o mosteiro será mesmo transformado num espaço de fé e reunião aberto a toda a gente», escreveu o cardeal Renato Martino numa carta dirigida a Harnwell, apelando ainda a que o mosteiro seja um espaço onde a «doutrina da Igreja seja respeitada». Numa posição mais dura, Letizia Roccasecca, residente na aldeia de Trisulti, onde o mosteiro se localiza, garantiu ao Financial Times que se «tem de respeitar a história do lugar, não se pode dá-lo àqueles que têm a ideologia oposta». Um combate, continua, que é o primeiro campo de batalha de uma outra batalha, mais alargada e até mundial: «Trisulti está a transformar-se no centro de uma luta mundial contra o fascismo e o nacionalismo». Um veneno, garante Roccasecca, que se está a espalhar e que é diferente de tantos outros com que os residentes se confrontaram no passado, como a poluição industrial. «Este é outro tipo de veneno, mais subtil, mais pérfido», concluiu. Manifestações foram organizadas e centenas de pessoas marcharam por estradas da zona, mas pouco serviu para travar os planos de Bannon. Pelo menos por agora.

 

A escola de Marion Maréchal

A academia de Bannon não é o único projeto do género. Todos as forças políticas organizam debates, acampamentos, universidades de verão e outros eventos para discutirem política e formarem quadros, mas a União Nacional, antiga Frente Nacional, de Marine Le Pen deu um salto em frente. Criou o Instituto de Ciências Sociais, Economia e Política numa cidade francesa da província. O nome dá-lhe à partida credibilidade, mas é um projeto similar ao de Bannon. E já cativou a atenção de forças irmãs europeias. Esta nova escola dirige-se aos franceses, enquanto a de Bannon é para todos os europeus.

As aulas já começaram e são cerca de 60 os alunos que as frequentam numa estratégia de «pedagogia alternativa», como Marion Maréchal, de 28 anos e sobrinha de Marine Le Pen, a caracteriza. «A ideia é criar uma escola responsável pela formação de uma nova elite de gestão, tanto em termos políticos como económicos», disse Maréchal ao Washington Post, explicando que quer uma «elite intelectualmente livre, patriótica, com raízes na história e na cultura e que esteja atenta num sentido eleitoral ao equilíbrio entre o local e o global».

Bannon apoia o projeto ao ponto de se disponibilizar para nele participar. Em conversa por telefone com o Washington Post, Bannon disse que se encontrou cinco ou seis vezes com conselheiros da escola quando Maréchal viajou até Maryland, nos Estados Unidos, em fevereiro. «O meu compromisso para com ela e o seu projeto é o que ela quiser», garantiu Bannon. Nas sombras, o operacional estende os seus tentáculos, cria rede e constrói porventura uma internacional neofascista, mesmo que não o considere como tal. E a Europa é o campo de batalha.