A bem da saúde da democracia e do prestígio da Assembleia da República, acabe-se de uma vez por todas com o anacronismo que são as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI).
Se bem analisarmos a experiência, qual foi, até hoje, a utilidade das CPI? Nenhuma! As CPI – todas as CPI − não passaram de pura distracção, no duplo sentido do afastamento do que deveria ser o escopo de uma comissão designada para esclarecer factos concretos e de diversão para a populaça, que parece contentar-se com pão e circo.
Mesmo as CPI que foram bem dirigidas, e encerraram os trabalhos com relatórios conclusivos, não tiveram qualquer efeito, porque o Parlamento não tem poderes sancionatórios, nem acusatórios. Por essa razão, concluída a missão, aprovado o relatório, a documentação segue para o arquivo morto e tudo se esquece, como se uma esponja tivesse passado sobre os últimos vestígios da matéria sob investigação.
Feitas as contas, três-vezes-nove-vinte-sete: os tribunais que se ocupem do assunto, se houver razões e vontade para isso.
Para trás, ficaram meses de audições, com picardias entre deputados transmitidas em directo, e o triste espectáculo de cada falante se mostrar mais preocupado com a imagem que passa para o exterior do que com o apuramento da verdade.
Para agravar as coisas, muitas comissões foram pessimamente dirigidas. Presidentes permissivos deixaram que os inquiridores – certos inquiridores – desrespeitassem as pessoas chamadas a depor; e, vezes de mais, as perguntas foram feitas sob a forma de acusações encapotadas, ou mesmo explícitas, com os inquiridos a serem tratados como réus.
Também vezes de mais os presidentes consentiram que os deputados fossem enxovalhados por pessoas que não sabem, ou procedem como se não soubessem, que quem lhes faz as perguntas são representantes da Nação, que devem ser tratados com a urbanidade e o respeito devidos a um órgão de soberania.
Deslizes deste quilate atentam contra o prestígio da instituição parlamentar e, por essa razão maior, não podem ser tolerados por quem dirige os trabalhos.
O que se passou na recente audição do Sr. José Berardo foi deplorável. Caso para se dizer que, se as comissões de inquérito parlamentar estão condenadas a servir de palco para vexames aos deputados, acabe-se de vez com elas. Não sendo possível afastar o risco de as inquirições se transformarem em motivo de chacota e em matéria-prima para humoristas e caricaturistas, então que não se constitua nem mais uma CPI.
No caso, a deputada Mariana Mortágua ainda tentou salvar a honra do convento. Acusou, e bem, o depoente de estar a «dar uma golpada», pela forma como persistia em trocar as voltas aos deputados, sem se poupar a esgares e graçolas («Eu cá não devo nada…!»), mas ficou isolada na reprovação. Alguns dos seus colegas viram no espectáculo motivo para gargalhadas. Fizeram muito mal.
Lamentavelmente, do presidente da comissão não se ouviu uma palavra. Também ele se juntou aos que preferiram rir com a comédia.