Salvini e Macron disputam os destroços do bipartidarismo europeu

O ENL e o ALDE tornaram-se decisivos para futuros acordos. E terão algo a dizer quanto à eleição do presidente da Comissão Europeia.

Está instalado o caos em Bruxelas, com a eleição do novo Parlamento Europeu, este domingo. As velhas dinâmicas negociais romperam-se com a perda de dezenas de deputados do Partido Popular Europeu (PPE) e da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D) – que pela primeira vez nem juntos conseguem maioria. Uma derrota que torna essenciais para futuros acordos os Verdes, a Aliança de Liberais e Democratas pela Europa (ALDE), do Presidente francês, Emmanuel Macron, e a Europa das Nações e das Liberdades (ENL) do ministro do Interior italiano, Matteo Salvini – que foi o grupo que mais cresceu eleitoralmente.

Seria fácil reduzir a disputa pelo destino da União Europeia ao confronto entre Salvini e Macron, que se desdobram há meses à procura de aliados por todo o continente. Salvini tem consigo Marine LePen, do Reencontro Nacional, que ficou taco  a taco com o República em Marcha de Macron, tendo conseguido também o apoio de partidos como o Alternativa para a Alemanha (AFD). Já Macron recrutou o Movimento 5 Estrelas – que enfrentou os seus parceiros de Governo, a Liga de Salvini -, bem como o Ciudadanos, o maior partido da oposição espanhola. 

“Queremos criar um movimento cívico e político em toda a Europa, que defenderia mais e melhor Europa, em resposta aos populistas e nacionalistas”, afirmou ao Politico o líder do Ciudadanos, Albert Rivera. Algo que ganha peso face à incerteza da saída do Reino Unido da UE, que deu ao Partido do Brexit, de Nigel Farage, a liderança das europeias no Reino Unido – numa derrota histórica dos conservadores britânicos. Fica por saber o que farão os novos deputados num hemiciclo de onde prometeram sair. Entretanto, Macron, defensor da integração europeia, afirma-se como paladino contra o populismo que “cresce como a lepra por toda a Europa”.

Mas a realidade resiste sempre a simplificações. Um bom exemplo é a Liga de Salvini, que prometia um referendo ao euro e agora fala de reformar a UE por dentro – limitando-se a confrontos simbólicos com a instituição. O mesmo que Le Pen, que em 2016 – após o referendo ao Brexit – prometia “o fim da UE como a conhecemos”. Agora, pede uma “união de Estados nação”, contra os esforços de maior integração. “Nós não tínhamos grande escolha: Ou nos submetíamos [à UE] ou tínhamos de a deixar. Mas agora temos aliados”, explicou Le Pen à France 24.

 

Comissão Europeia A nova relação de forças vai definir quem ocupará o mais alto cargo da União, a presidência da Comissão Europeia. Os candidatos são nomeados pelo Conselho Europeu – que reúne os chefes de executivo dos Estados membro – e aprovados por maioria simples no Parlamento. O candidato mais óbvio é da bancada mais votada, Manfred Weber, do PPE.

Mas o caos em Bruxelas pode dar uma reviravolta ao processo. Weber é desconhecido fora da sua Bavária natal e de Bruxelas – onde tem mais inimigos que amigos. O candidato conta com a oposição de pesos pesados, como o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, que o apelidou de “fraco”. Macron também se opõe a Weber, preferindo Michel Barnier, do PPE, que ganhou notoriedade como o negociador da UE para o Brexit. O Presidente de França afirmou ao Le Soir que Barnier “tem iminentes qualidades e pode estar na lista [de candidatos à Comissão]. Precisando dos votos do ALDE de Macron, o PPE pode muito bem aceitar a nomeação de Barnier pelo Conselho Europeu como candidato de compromisso.

O negociador do Brexit já estabeleceu relações de trabalho com a maioria dos chefes de executivo europeus, como parte dos seus deveres oficiais – o que pode facilitar a nomeação. O não-candidato teve um deslize revelador durante a sua visita à Bavária de Weber. “Tentei envolver os cidadãos no debate público à volta desta campanha”, começou, antes de parar, atarantado. “Eu não sou candidato. Só tentei fazer a minha parte”, tentou corrigir – mas sem fazer desaparecer as dúvidas. Se o negociador do Brexit será o próximo presidente da Comissão Europeia ou não, isso só se saberá nos corredores de Bruxelas – que estas eleições tornaram muito mais sinuosos.