Sónia Leite, de 38 anos, estava com o atual companheiro, de 46, quando o ex-marido os surpreendeu junto à pastelaria Delícia da Avó, em S. Gens, Amarante. A primeira vítima foi o homem, proprietário do espaço: foi atingido na cabeça e morreu no local. Sónia foi baleada na zona do peito e ficou com ferimentos graves no tórax. Entrou em paragem cardiorrespiratória e acabou por morrer já no Hospital São João, no Porto, para onde fora transportada pelo INEM. De acordo com o Correio da Manhã, o ciúme estará na base do duplo homicídio e, segundo a Sic Notícias, a mulher já tinha mesmo apresentado várias queixas por violência doméstica contra o anterior companheiro. Esta quarta-feira o homicida continuava em fuga.
A confirmar-se o historial de violência doméstica, Sónia passa a ser a décima terceira mulher a morrer, este ano, no contexto de um fenómeno complexo que, só nos primeiros dois meses do ano, tirou a vida a 11 mulheres. Este ano, de resto, o fenómeno já tirou também a vida a uma criança e a um homem. No total, em 2018, foram assassinadas 28 mulheres em contexto de violência doméstica – um número proporcionalmente muito superior se comparado com o da a vizinha Espanha, por exemplo, onde de acordo com o jornal El País 47 mulheres foram assassinadas no mesmo âmbito em 2018.
Números à parte, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, admitiu esta quarta-feira classificar os crimes de violência doméstica como tortura. “É uma questão a ser analisada” no âmbito “de convenções e tratados de que Portugal faz parte”, afirmou durante a inauguração do Espaço de Intervenção e de Assessoria no Combate à Violência da Comarca de Lisboa Oeste.
Com o ano ainda a meio, dificilmente a lista ficará por aqui. Por isso, para Daniel Cotrim da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), “é preciso olhar, por um lado, para aquilo que motivou as situações, e por outro perceber que ainda temos muito que fazer enquanto sistema de apoio, especialmente quando este ano têm morrido tantas mulheres vítimas de violência doméstica”. O psicólogo defende que é necessário perceber “aquilo que não está a ser bem feito nem é eficaz”, levantando mesmo a hipótese de serem aplicadas “medidas urgentes de proteção às vítimas quando elas apresentam a sua denúncia junto do sistema de justiça”.
Não são poucos os casos em que as vítimas já tinham, no passado, apresentado queixa do agressor, e Daniel Cotrim mostra-se preocupado com a possibilidade de isso trazer “desconfiança” em relação à justiça e aos sistemas de apoio – até porque muitas queixas acabam arquivadas.
E devem estes casos continuar a ser noticiados ou a sua divulgação pode levar a um aumento dos números? “O que sabemos do ponto de vista científico é que, neste tipo de crimes, há uma tendência para o mimetismo social, para a reprodução social. E, ao mesmo tempo, sabemos que estas situações são muitas vezes usadas pelos próprios agressores para continuarem a perpetuar a violência, ameaçando as vítimas com um discurso do género ‘vês, não vale a pena fazeres nada porque pode acontecer-te isto’”, explica. Contudo, Daniel Cotrim não duvida que “é importante que estas notícias sejam dadas”, num tom moderado e não sensacionalista, “colocando-se a tónica também nos mecanismos de apoio que existem, como as organizações e a polícia. A APAV, por exemplo, tem a linha 116 006 para apoiar as vítimas”.