«Um dia perguntei… Porquê? O silêncio respondeu…»

Muitas vezes, a única resposta que obtemos é exatamente o silêncio

Esta reflexão, do Velho do Restelo, cruzou o meu caminho no Lumiar, em Lisboa, e também me foi enviada pelo Duarte. Diz: «Um dia perguntei… Porquê? O silêncio respondeu…».

Muitas vezes, a única resposta que obtemos é exatamente o silêncio, «inútil a resposta da noite à minha dúvida», nas palavras de Gastão Cruz. Por muitas que sejam as nossas dúvidas, as nossas inquietações, há ocasiões em que nada parece trazer a solução, a resposta. E é quando o silêncio nos responde que ficamos sós e temos de ser nós próprios a encontrar a resposta. Até porque as respostas, tal como as perguntas, têm origem em nós. Porque, como diz Afonso Cruz: «Qualquer conhecimento gera desconhecimento infinito». Somos nós quem se questiona, quem levanta a dúvida. Ora, se procurarmos bem dentro de nós, no âmago do que nos levou à pergunta, acabamos por encontrar pistas para a resposta.

Num poema, diz Manoel de Barros: «Meu fado é o de não saber quase tudo. / Sobre o nada eu tenho profundidades. / (…) Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. / Para mim poderoso é aquele que descobre as / insignificâncias (do mundo e as nossas)». E esta é uma perspetiva muito interessante, exatamente porque valoriza aquilo que a vida tem de mais belo – os imponderáveis, as supressas, os pormenores, os acontecimentos que parecem menores, mas que, no fundo, são a própria essência da vida. E, sobre o nada ter «profundidades» é de uma enorme beleza, porque é o nada que nos rodeia. É fundamental termos essa consciência, termos a capacidade não de «amar a vida hipoteticamente pelo que dela se espera» mas «amá-la incondicionalmente pelo que ela é, muitas vezes na completa impotência ou na extrema vulnerabilidade», como diz Tolentino Mendonça, até porque, como lucidamente afirma: «Qualquer que seja a nossa idade ou a estação em que nos encontremos a viver, a verdade é que somos, até ao fim, uma coisa no seu começo, a verdade é que habitamos unicamente começos. Nada mais».

E ter essa consciência de que «habitamos unicamente começos» ajuda-nos a enfrentar a vida de cabeça erguida, ajuda-nos a perceber a vida de cabeça erguida, ajuda-nos a perceber que qualquer resposta que obtenhamos é sempre incompleta e insuficiente. Termos esse conhecimento ajuda-nos a encarar as respostas que só o silêncio nos dá e a viver plenamente as «insignificâncias», como diz o poeta, tanto do mundo como as nossas.

Há um ensinamento oriental que diz que o silêncio é tudo aquilo de que precisamos para resolvermos as nossas dúvidas existenciais. Quantas vezes não é só no silêncio que encontramos as mais significativas respostas? No meio da confusão e do barulho do dia a dia é quase impossível concentramo-nos e meditarmos, ponderarmos sobre o que nos rodeia e sobre nós próprios. A azáfama da vida anestesia-nos e impede-nos de refletirmos. Como diz Tolentino Mendonça: «Deveríamos dedicar mais tempo a escutar essas perguntas que pulsam no nosso interior, soterradas no atordoamento dos dias, omitidas pelo pragmatismo ou pelo medo, adiadas para um momento ideal que depois nunca é».

Precisamos de silêncio à nossa volta e, sobretudo, dentro de nós para conseguirmos ouvir as nossas perguntas, aquietarmos os nossos pensamentos, alcançarmos serenidade, e, o que é muito importante, encontrarmos soluções, clarearmos caminhos e descobrirmos as respostas que sempre nos habitaram, porque, como diz Ramos Rosa: «Nada é inacessível no silêncio».

Mas, na realidade, enfrentar o silêncio é algo muito difícil, porque o silêncio coloca-nos frente a tudo aquilo que tentamos esquecer com o barulho que fazemos. E isso pode ser doloroso e amedrontador. O barulho ajuda-nos porque afasta o silêncio e é no silêncio que somos «obrigados» a pensar e a estar connosco próprios, o que é algo que, na maior parte do tempo, evitamos. Talvez porque, sendo humanos, nos sintamos inseguros e com o coração trémulo, por não termos corações de ferro.

 

Maria Eugénia Leitão