Portugal pode conquistar nos próximos dias a sua segunda competição internacional de seleções no escalão sénior, depois da épica e histórica conquista do Euro 2016. A Liga das Nações não é – nunca será – uma prova com o prestígio e a dimensão de um Mundial, um Europeu ou uma Copa América, talvez nem sequer de uma Taça das Confederações, mas não deixa de ser um troféu respeitável e com méritos próprios, como o aproveitamento de datas até agora desperdiçadas em jogos amigáveis e o aumento de competitividade entre seleções europeias em anos menos profícuos em termos de calendário internacional. A ausência de algumas das mais históricas seleções na fase final – como Espanha, França, Alemanha ou Itália – não pode de maneira nenhuma contribuir para a desvalorização dos jogos que irão decorrer em Guimarães e no Porto ao longo da próxima semana. Primeiro porque disputaram a fase de grupos com iguais regras e oportunidades, depois porque Portugal, Suíça, Inglaterra e Holanda são, neste momento, seleções igualmente fortes e competitivas no contexto do futebol mundial, todas elas repletas de tremendo talento e com trabalhos meritórios desenvolvidos ao nível da formação de novos jogadores ao longos dos últimos anos. A Liga das Nações é, também nesse sentido muito específico, um claro sinal dos tempos e do rumo que o futebol internacional tem de seguir: uma cada vez maior aposta na modernização de processos de formação; evolução permanente de estratégias e dinâmicas de trabalho; mudanças no topo da hierarquia internacional em função do momento, da qualidade do treino e da capacidade de aproveitamento do talento jovem; capacidade de adaptação a novos desafios e realidades. No fundo, a Liga das Nações é uma metáfora extraordinariamente fiel do caminho que a velhinha Europa tem de seguir. Ontem como hoje, hoje como sempre, o dinâmico futebol a mostrar à bafienta classe política como se faz…
Inglaterra e Holanda apresentam-se neste momento completamente renovadas depois de alguns anos de percursos erráticos e sem resultados ao nível da sua real dimensão futebolística. Repensaram estratégias, redefiniram metodologias e deram rapidamente a volta por cima, fruto do talento que emerge em ambos os países. Vão disputar entre si, na próxima quinta-feira e no estádio D. Afonso Henriques em Guimarães, a segunda das duas meias-finais da prova. A primeira disputa-se na véspera, na quarta-feira, e é a nossa, aquela que mais nos fala ao coração e que opõe Portugal à Suíça no Estádio do Dragão no Porto. A turma helvética de Xhaka, Shaqiri e Seferovic é uma espécie de relógio suíço – a analogia é demasiado óbvia mas tão correta que não dá para ignorar – sem grande brilhantismo técnico mas com enorme rigor tático e assinalável eficácia resultadista. Em suma, uma equipa difícil e capaz de criar grandes problemas à turma das quinas no ambicionado caminho até à conquista do título. O fator casa poderá ser uma importante ajuda, mas a verdade é que os exemplos de tragédias domésticas são muitos desde os tempos do longínquo ‘Maracanazo’ de 1950, passando pelos bem mais recentes dramas de Portugal no Euro 2004 e da França no Euro 2016. Ou seja, nunca fiando…
Há um velho provérbio africano que diz que «é preciso uma aldeia para criar uma criança». O provérbio surge no sentido da necessidade de interação de toda a comunidade entre si para que as crianças cresçam num ambiente saudável e seguro, conscientes daquilo que as rodeia e em plena comunhão com o ambiente em que vivem. Quanto maior for a interação, a partilha, a envolvência, a entrega e a dedicação de toda a aldeia, melhor e mais bem conseguido será o objetivo final de criar jovens bem sucedidos, ou seja, mais fácil será o alcançar de objetivos comuns a todos. Gabrielle Marcotti, jornalista da ESPN, escreveu em 2016 que a Seleção de Portugal era uma verdadeira «aldeia» no sentido de comunidade unida em torno de um objetivo superior. Foi a melhor definição que li daquilo em que a equipa de todos nós se tornou naquela competição por terras gaulesas há já três anos. Um grupo verdadeiramente unido, abnegado, disposto a sacrifícios tremendos e com enorme capacidade de sofrimento. Valeu a pena e o ‘caneco’ veio mesmo para Portugal. Das lágrimas do capitão Ronaldo em Paris ao vernáculo do herói improvável Éder já em Lisboa, são muitos os momentos que estão gravados para sempre na memória coletiva da nação. Está na hora de viver novos momentos e criar novas memórias…
Nesta nossa aldeia manda o Engenheiro Fernando Santos. Uma aldeia que tem alguns dos melhores jogadores do Mundo. Do líder Cristiano Ronaldo – valor máximo e superlativo de qualquer equipa em que atue – à promessa João Félix, um jovem de apenas 19 anos que nos faz sonhar por entre a irreverência dos seus passos. Pelo meio, tanto talento que impressiona: Rui Patrício, Rúben Neves, João Moutinho, Diogo Jota e Bernardo Silva estão entre os expoentes máximos da Premier League. Bruno Fernandes, Dyego Sousa, Danilo, Pizzi e Rafa pintaram a Liga Portuguesa com qualidades raras vezes vistas nos nossos palcos. Pepe, José Fonte e Rúben Dias conferem a segurança defensiva de que necessitam Raphael Guerreiro e Mário Rui, João Cancelo e Nélson Semedo para se soltarem em cavalgadas sem complexos pelas alas. William e Guedes andaram todo o ano pelo país vizinho a mostrar toda a sua capacidade. Os aldeões estão prontos e habilitados para a missão, disso não há dúvidas. Mas o brilhantismo que tem andado arredado da equipa tem de surgir. Chegou a hora de soltar a magia. Chegou a hora de o Engenheiro dar liberdade aos craques. Divirtam-se. Ganhem. Encantem. E devolvam o orgulho à nação!