Theresa May abandonou formalmente o cargo de primeira-ministra britânica, esta sexta-feira, após um mandato com pouca margem para fazer mais que navegar o caos gerado pela vitória do ‘sim’ no referendo à saída do Reino Unido da União Europeia. A remainer que teve a tarefa ingrata de concretizar o Brexit sai do cargo com pouco para mostrar, além de um acordo de saída negociado com os líderes europeus e chumbado sucessivamente no Parlamento britânico. Aproxima-se a data limite para a saída do Reino Unido, marcada para 31 de outubro, enquanto começa a corrida à liderança dos conservadores.
Não havendo as eleições antecipadas exigidas pelo líder trabalhista, Jeremy Corbyn, o próximo primeiro-ministro será escolhido dentro do Partido Conservador. Já estão na arena 11 candidatos, muitos mais que em disputas anteriores, a que poderão juntar-se ainda mais, até 10 de junho, a data limite das candidaturas. Esta profusão de potenciais líderes é vista como sinal das profundas divisões dentro dos conservadores – sobretudo quanto à relação entre o Reino Unido e a Europa. O partido até aceitou novas regras para eleições internas, tornando mais exigentes os requisitos para candidaturas, bem como rondas de eliminação dos candidatos menos populares, até que restem apenas dois.
Disputa pelo poder
Não há dúvida que, de momento, a ala mais eurocética do partido está na mó de cima. Sobretudo após os resultados desastrosos nas eleições europeias, em que o partido ficou em quinto lugar, com uns míseros 8,84% dos votos – o seu pior resultado de sempre nas eleições europeias. «Não seremos perdoados se não conseguirmos o Brexit», assegurou o ex-presidente da Câmara de Londres Boris Johnson, um dos principais organizadores da campanha pelo ‘sim’ ao referendo de 2016, visto como o candidato mais bem colocado à liderança dos conservadores, que dificilmente terão deixado de reparar no sucesso do Partido do Brexit, de Nigel Farage, que arrebatou o primeiro lugar nas europeias, com uns alucinantes 30,74% dos votos, apenas dois meses depois da fundação do partido. Johnson alertou para a «potencial extinção» dos conservadores, imobilizados pela sua «crise existencial» relativa à Europa. «Se eu ganhar vamos sair [da UE] com acordo ou sem acordo a 31 de outubro», prometeu o mais conhecido brexiteer, que insiste a importância de deixar a saída não negociada em cima da mesa, para ganhar margem com Bruxelas.
Já o Ministro do Interior, Sajid Javid, avisou: «Não vamos vencer o Partido do Brexit ao tornar-nos no partido do Brexit». Javid é um dos vários candidatos à liderança conservadora oriundos da ala política de May, que recusam a toda a linha a possibilidade de uma saída não acordada da UE, mas pretendem respeitar o resultado do referendo do Brexit. Terá sido isso que levou Javid a pressionar May a demitir-se, após ela propor um suposto novo acordo, com uma emenda que levaria o documento a referendo, após ser aprovado – algo visto como uma tentativa de aproximação aos deputados trabalhistas.
Outro candidato na mesma linha que Javid é o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jeremy Hunt, que também terá pressionado a primeira-ministra a demitir-se. Hunt fez campanha pelo remain em 2016, mas posteriormente descreveu-se a si mesmo como um «brexiteer renascido», ao mesmo tempo que se refere à possibilidade de uma saída não acordada como «suicídio político». Hunt quer renegociar o acordo que May estabeleceu com a UE, com particular foco nas salvaguardas a uma fronteira física na ilha da Irlanda, que eurocéticos consideram uma maneira encapotada de que a política económica e comercial britânica continue a ser definida em Bruxelas. Não é muito claro como é que as negociações de Hunt poderiam levar a algum lado, dado que os líderes europeus têm repetidamente reforçado que nunca aceitarão uma fronteira física na Irlanda, dado isso ser uma condição essencial do acordo de paz que pôs fim à guerra civil na Irlanda do Norte.
Apesar de Hunt favorecer uma aproximação aos eurocéticos do seu partido em detrimento das tentativas de conseguir o apoio dos trabalhistas, continua a enfrentar a hostilidade dos rivais internos. Caso o Partido Conservador queira conseguir um mínimo de coesão e união num período de desastres eleitorais e decisões difíceis, uma aposta óbvia é Michael Gove, o ministro do Ambiente. Gove tem pontes em ambos os lados do partido, tendo sido Ministro de May e feito campanha pelo Leave em 2016. Pode constituir uma solução de compromisso. Contudo, as suas hipóteses diminuem com o aumento da polarização, que poderá levar as várias fações internas a entrincheirarem-se atrás dos seus candidatos preferenciais.
Dê por onde der, é muito provável que o sucessor de May enfrente uma moção de censura mal tome o lugar como primeiro-ministro. Downing Street já afirmou que espera que o novo líder seja escolhido em finais de julho, antes do verão – enquanto o Parlamento ainda está em funções. Ao que porta-voz da primeira-ministra acrescentou que ela espera que o seu sucessor «consiga ter a confiança do Parlamento». Apesar do esclarecimento posterior de que tal não significa necessariamente enfrentar uma moção de censura, fica no ar a possibilidade que o novo líder seja testado antes de ter tempo de consolidar as suas forças. May só formou Governo graças ao apoio do Partido Democrático Unionista (DUP), que lhe assegurou uma maioria com a pequena margem de seis deputados. Que facilmente poderá desaparecer se alguns dos deputados conservadores recusarem aceitar o novo líder, face ao extremar de posições.
Peterborought
As eleições antecipadas no círculo de Peterborought foram um tiro certeiro na tese de que o Partido do Brexit – muito focado na arena no tema das relações entre o Reino Unido e a UE – teria dificuldade em transferir o seu sucesso europeu para a arena doméstica. Na dia da despedida de primeira-ministra, May viu o seu partido ficar em terceiro lugar sendo ultrapassado de novo pelo partido de Nigel Farage. que obteve 29% dos votos, ficando apenas atrás da candidata trabalhista, a sindicalista Lisa Forbes, que conseguiu 31% dos votos, com um programa antiausteridade. Um resultado que Corbyn qualificou como uma vitória «incrível» da «política da esperança sobre a política do medo».
Apesar da derrota do partido de Farage, estas eleições foram vistas como um teste piloto para o programa doméstico do Partido do Brexit. Que não se limitou a falar da Europa e abordou preocupações da população da região, como os cortes na administração local ou o combate à criminalidade. Farage referiu-se ao seu programa eleitoral como uma «mensagem muito forte e simples, em que as pessoas podem acreditar». Algo que deve ter deixado os conservadores de cabelo em pé, perante a possibilidade de outra derrota maciça, caso sejam convocadas novas eleições.
Cronologia
Promessa
23/01/2013
Pressionado pelos eurocéticos, o líder conservador, David Cameron, promete um referendo à UE caso consiga uma maioria absoluta nas eleições.
Eleições legislativas
07/05/2015
Cameron supreende ao obter uma maioria absoluta.
Referendo do Brexit
23/06/2016
Apesar de Cameron e a sua ministra do interior, Theresa May, fazerem campanha pelo Remain, o ‘sim’ vence o referendo, com 51,89%. Cameron demite-se.
Primeira-ministra
11/07/2016
Theresa May sobe à liderança dos conservadores e torna-se primeira-ministra. Assegura que «Brexit significa Brexit».
Saída
29/03/2017
May começa oficialmente o processo de saída do Reino Unido da UE.
Eleições antecipadas
08/06/2017
May convocou eleições para tentar ganhar legitimidade negocial com a União Europeia, mas perde a sua maioria. Forma um governo minoritário graças aos unionistas.
Demissões
09/07/2018
O ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson, e o Ministro do Brexit, David Davis demitem-se em protesto contra o plano de saída da UE.
Acordo
25/11/2018
A UE aprova o acordo de saída negociado por May.
Derrota colossal
19/01/2019
O acordo de May é esmagado no Parlamento britânico, por 432-202. May voltaria a tentar várias vezes, sendo sucessivamente derrotada.
Prolongamento
11/04/2019
Bruxelas aceita estender o prazo de saída do Reino Unido para 31 de outubro, após o Parlamento britânico votar nesse sentido, a 12 de março.
Novo acordo
21/05/2019
Depois de semanas de negociações com a oposição, sem sucesso, May promete um suposto novo acordo, que é amplamente criticado.
Demissão
24/05/2019
Sob pressão dos críticos dentro do seu próprio partido – que ameaçaram com uma moção de censura – May anuncia que vai demitir-se a 7 de junho.