A Agência Espacial Portuguesa (Portugal Space, em inglês) foi apresentada publicamente no final de março, mas já está envolta em polémica. A protagonista é a própria presidente Chiara Manfletti, que, apesar de ter já assumido funções no cargo, mantém ainda ligações ao cargo anterior, o de assessora do Diretor-Geral da Agência Espacial Europeia (ESA), Jan Wörner.
Com nacionalidade italiana e alemã, Chiara Manfletti chegou ao cargo por nomeação, decidida na primeira Assembleia Geral da Agência – no dia 22 de março -, pelos quatro fundadores da Agência Espacial Portuguesa: a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), a Agência Nacional de Inovação (ANI), a Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN) e a Região Autónoma dos Açores através da Associação RAEGE Açores – Rede Atlântica de Estações Geodinâmicas e Espaciais. Contudo, ainda assim, Manfletti está simultaneamente envolvida na organização do conselho ministerial da ESA – uma reunião que acontece de três em três anos e que é tida como o mais importante encontro da instituição – e é nessa reunião, com data marcada para novembro, em Sevilha, que se decidem matérias como o financiamento a dar aos projetos espaciais.
Lá fora, em particular em França (onde está sediada a ESA), a presidente da Agência Espacial Portuguesa tem vindo a ser alvo de várias críticas e fala-se mesmo num conflito de interesses. Para o caso contribui ainda uma agravante: é que a Agência Espacial Portuguesa não reporta apenas ao Governo português, através das entidades fundadoras, mas reporta também à ESA, enquanto ‘ESA hub’. Questionada pelo i, fonte do Ministério da Defesa Nacional esclarece: «A criação da Agência também traduz a ambição de Portugal em contribuir para a paisagem espacial europeia e promover a sua competitividade a nível mundial, a qual passa pelo reforço e modernização contínua do papel único da ESA. Neste sentido, a criação e promoção de ligações institucionais (hubs) entre a ESA e as várias entidades nacionais responsáveis pelo espaço, contribui para assegurar a coerência da política espacial europeia, preconizada na Convenção da ESA, sem prejuízo do estabelecimento de várias políticas espaciais nacionais». Portugal assume-se como o primeiro ESA hub, assinala a mesma fonte que, questionada relativamente a uma dupla tutela da Agência Espacial Portuguesa, sublinha: «Apenas no contexto em que a Portugal Space possa atuar como um ‘ESA hub’ é que a direção da Agência Espacial Portuguesa reportará à ESA, na qualidade de gestor do hub».
À Antena 1, Chiara Manfletti, por sua vez, debruçou-se sobre a polémica em que está envolvida. «O facto de ter sido nomeada para presidir a Agência Espacial Portuguesa, não sendo portuguesa, é um sinal claro de que Portugal quer fortalecer-se nesta área, seguindo uma cooperação internacional transparente e colaborando com outros países». E qual o trabalho que está a ser desenvolvido? A ilha de Santa Maria, nos Açores – sede da Agência, que também tem instalações em Lisboa -, vai receber, neste mês de junho, uma conferência organizada pela Agência, além de «ser responsável por ajudar o Governo Regional a estudar as propostas para construir o porto espacial. Mas não é apenas o porto que é importante, são igualmente importantes os negócios que vão surgir por causa do lançamento de pequenos satélites. Estamos ainda a ajudar novas indústrias a terem novas ideias, a procurarem fundos estruturais europeus, portanto nós também somos promotores, mediadores e facilitadores», elucidou Manfletti à Antena 1.
E a entidade vai criar empregos? «Acabo de abrir algumas vagas. Vamos criar emprego, não vão ser 100 ou 200 postos de trabalho como noutras agências espaciais, mas vamos criar novos postos de trabalho especializados. Vamos investir na aquisição de competências, vamos investir nos jovens, novos engenheiros, para que eles possam aprender e ter experiência fora de Portugal, e depois regressarem especializados em áreas concretas. Mas estamos a fazer mais coisas, a lista é longa, estou muito ocupada, os meus dias são muito longos», garantiu ao mesmo órgão de comunicação social.
Quanto ao curriculum vitae de Chiara Manfletti, não levanta dúvidas: licenciada em Engenharia Aeronáutica pelo Imperial College de Londres, em 2001, tirou o mestrado em Estudos Espaciais na International Space University (ISU) de Estrasburgo, em 2002, e fez o doutoramento na Universidade de Aachem, em 2009. Tem também uma licenciatura em História pela Open University no Reino Unido, concluída em 2003. Profissionalmente, trabalhou na Snecma, uma empresa aeroespacial francesa, esteve na Agência Espacial Alemã e, a partir de 2016, na ESA. De referir ainda que é a terceira mulher a presidir a uma agência espacial a nível mundial.
Para a vice-presidência, de resto, foi nomeado um português – Luís Santos – licenciado em Engenharia Eletrotécnica pelo Instituto Superior Técnico (IST), tendo sido coordenador da Estrutura de Missão dos Açores Para o Espaço até assumir funções na Agência Espacial Portuguesa – que integrou a Estrutura de Missão.
Site da Agência arrancou em inglês
Não deixa de causar estranheza, no entanto, que a página da Agência Espacial Portuguesa tenha sido lançada em inglês, sem opção de português. Em abril, quando o i contactou o Ministério da Defesa Nacional à procura de esclarecimentos, foi explicado que «o site arrancou em inglês atendendo à proximidade do lançamento e apresentação pública do Azores International Satellite Launch Programme – Azores ISLP […]. Está em curso o lançamento em português dos vários conteúdos do site». Uma consulta à página revela que a tradução já foi concluída, existindo tanto a opção de língua portuguesa como de língua inglesa.
No mesmo esclarecimento, é explicado, de resto, que a Agência tem por finalidade promover e executar a Estratégia Nacional para o Espaço ‘Portugal Espaço 2030’. À Agência Espacial Portuguesa cabe ainda, frisa o Governo num comunicado do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior divulgado a propósito da nomeação de Chiara Manfletti, «articular a gestão dos vários programas nacionais ligados ao Espaço, fomentando o investimento, a criação de emprego qualificado e a prestação de serviços ligados a ciências e tecnologias do Espaço em estreita articulação com a Agência Espacial Europeia e com o processo de desenvolvimento do Centro Internacional de Investigação do Atlântico (AIR Centre)».
Multiplicar por 10 os 40 milhões que o setor representa?
Parece muito, mas o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior garante que sim. Ao Jornal Económico, Manuel Heitor afirmou que «a Agência Espacial Portuguesa será um promotor de novos negócios para que o Espaço seja uma forma de criar mais emprego e valor económico, baseado nas novas tendências das tecnologias espaciais», afirmando-se como um «projeto sólido para projetar Portugal no futuro», com o qual se pretende «multiplicar por dez na próxima década os 40 milhões de euros anuais que o setor do Espaço representa atualmente».