A teia montada em torno das empresas da mulher do ex-presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso, Joaquim Couto, parece não ter fim, nem limites. E agora chegou à Saúde. As autoridades não excluem para já a constituição de novos arguidos e o SOL revela hoje todas as câmaras e entidades públicas que nos últimos anos celebraram contratos com o universo de empresas detido por Manuela Couto. Mas, além das adjudicações a diversos municípios e um à Presidência do Conselho de Ministros, ontem foi publicado no portal Base.Gov um acordo quadro dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde para a prestação de serviços de sites, audiovisuais e produção de design gráfico na área da Saúde em que a sociedade Mediana é uma das partes – precisamente a empresa da família Couto que mais lucrou com contratos públicos.
Um acordo quadro é uma pré-escolha de fornecedores com o objetivo de prestar determinados serviços à Administração Pública. Nesses acordos, são definidas as condições e requisitos que as partes têm de cumprir, nomeadamente no que toca à qualidade e preços a pagar. E é o que acontece neste caso. A Mediana é uma das empresas escolhidas para prestar serviços em três categorias: Categoria 3 – Serviços de design gráfico, do lote 21 – Território Nacional; Categoria 4 – Serviços de design gráfico, do Lote 15 – Região Norte; e Categoria 4 – Serviços de produção de materiais, do Lote 22 – Região Norte.
Analisando a documentação, ficam claras as diferenças abissais entre os preços praticados pela Mediana e pelas concorrentes Ancestra e Connect International – num dos casos o serviço prestado pela primeira por 6,25 euros (cartões de visita 350gr., 85×55 cm impressão a cores (frente) – é dado pelas duas ultimas como tendo um preço de 40 euros, uma diferença tão elevada das concorrentes que deixava a empresa da mulher de Joaquim Couto em vantagem na hora de escolher.
Uma fonte conhecedora deste tipo de casos explicou ao SOL que esta discrepância ultrapassa a norma de contratação pública, em que nos casos em que existem oscilações superiores a 30% deve haver uma justificação.
Apesar de apenas terem sido agora publicados no Portal Base.Gov, estes contratos foram celebrados pela empresa com os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde no final de 2017, numa altura em que aquele Ministério era ainda tutelado por Adalberto Campos Fernandes.
O ex-ministro da Saúde, tal como o ministro das Finanças, Mário Centeno, são dois dos nomes que têm vindo a público, uma vez que, segundo apuraram os investigadores, o atual presidente da Federação do Porto do PS, Manuel Pizarro, terá garantido a Joaquim Couto que iria meter uma cunha aos dois governantes para que alterassem a lei que impunha a limitação de mandatos, isto porque, noticiou o Observador, a mesma seria prejudicial ao presidente do IPO do Porto, que pretendia manter-se no cargo além do tempo definido por lei.
Mesmo nas categorias em que a Mediana não surge como o preço mais baixo, a sua proposta é sempre tentadora nunca ultrapassando um quarto do valor máximo: para serviços de um designer gráfico apresenta sempre como valor os 48 euros, sendo que as propostas mais baixas rondam os 10 euros e a mais alta os 200 euros (sempre sem que seja dada qualquer justificação para a discrepância).
Este acordo quadro está na mira das autoridades que pretendem perceber os contornos em que os mesmos foram celebrados.
Ontem, o SOL contactou os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde que disse não ser vinculativo o recurso a este acordo, podendo haver sempre lugar à concorrência. Fonte oficial refere que «o acordo quadro estabelece o preço máximo para a prestação do serviço, o que significa que em sede de convite ao abrigo do acordo-quadro é sempre possível […] ao cocontratante propor um preço inferior ao estabelecido». Adianta ainda que «desde a entrada em vigor do acordo-quadro em apreço não se verificou qualquer aquisição ao seu abrigo». A concluir é referido que só uma decisão transitada em julgado poderia levar à exclusão de uma empresa do acordo quadro.
Todas as autarquias que adjudicaram às empresas da Teia São muitas as autarquias que nos últimos anos recorreram às empresas Mediana, MyPress, Make it Happen, SmartWin e WGC – todas detidas direta ou indiretamente pela mulher de Joaquim Couto. E se as ligações às câmaras socialistas são muitas, a verdade é que a teia montada não se apegava apenas a uma cor política.
No caso da Mediana foram adjudicados desde 2009, serviços à Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto (PS) – mais de 40 mil euros por organização de eventos em 2016 -, à Câmara de Gondomar (PS) – quase seis mil euros para fornecimento de móveis em 2014 -, à Câmara de Baião (PS) – 12500 euros para elaboração gráfica de um livro do segundo mandato em 2014 -, à Câmara de Vila Nova de Gaia (PSD/CDS) – 72500 euros para a conceção de um livro sobre o município em 2013 -, à Câmara de Vila Nova de Cerveira (PS) – perto de 30 mil euros também para um livro em 2012- e às autarquias de São João da Madeira e Vila Real (ambas com executivos PSD) – mais de 50 mil euros para serviços de comunicação e conceção gráfica de um livro, clipping e produção de um documentário, tudo entre 2009 e 2011. Além destas surgem ainda duas adjudicações à Câmara de Matosinhos (PS) em 2009.
As restantes entidades públicas que escolheram a Mediana nestes últimos anos foram: o Instituto Engenharia do Porto, o Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, a Região Turismo do Algarve, a Associação de Desenvolvimento das Regiões do Parque Nacional da Peneda Gerês, o Instituto Politécnico do Porto, o Turismo do Alentejo e o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.
Mas a Mediana está longe de ser a única empresa suspeita na Operação Teia. E a Make it Happen também foi escolhida por autarquias para prestar serviços de comunicação e conceção de livros. Esta empresa recebeu entre 2015 e 2017 mais de 112 mil euros dos municípios de Lamego, Caminha (PS) e da Região de Turismo do Algarve. Já a empresa WGC foi escolhida pela Câmara Municipal de Valongo (PS) no ano passado para produção de produtos multimédia (75 mil euros) – a mesma empresa a quem a Presidência do Conselho de Ministros adjudicou por 64170 euros, em 2017, serviços de parametrização e seleção de fontes de pesquisa, definição de perfis de informação e disponibilização eletrónica de notícias.