Na noite de Santo António ir à casa de banho custa mais do que uma imperial

Festejar a noite de Santo António é obrigatório em Lisboa, mas as condições nem sempre são as melhores, sobretudo nas casas de banho. E é preciso ir preparado para abrir a carteira e deixar o lado forreta em casa.

A noite dos Santos é imprópria para cardíacos: seja pela música pimba com o volume no máximo, pelo álcool a transbordar dos copos e dos corpos, ou pelas maratonas até à Graça. É um verdadeiro teste à resistência. Em dias normais, desde o Martim Moniz até à Graça conta-se pouco mais de um quilómetro, um caminho que em 15 minutos está feito. Mas em dia de festa de Santo António, o caso muda e os minutos estendem-se pelas ruas – um quilómetro transforma–se em dois e o tempo, no mínimo, triplica.

Em cada esquina há um bar, uma loja de conveniência aberta especialmente para a ocasião, e todos os cantos são bons para fazer negócio em rulotes. Assadores não faltam e não há hora para a bifana ou para a sardinha. A cada cem metros há um senhor a vender acessórios que brilham e piscam. Cinco euros por uma bandolete mas, no meio das centenas de pessoas que pintam as ruas dos bairros de Lisboa durante esta noite, veem-se de facto muitas cabeças a piscar. Um dos vendedores já tinha feito 70 euros e ainda não era meia-noite.

 

Quando a necessidade aperta

Mas nem tudo é cor e alegria nesta festa. Depende do estômago e da bexiga de cada um. Depois de umas cervejas vislumbra-se o problema: ir à casa de banho. Na verdade, as opções até são muitas. Há casas de banho móveis, mas tão escassas que é como jogar às escondidas. Há as casas de banho dos cafés, onde a limpeza não é o forte do estabelecimento e, por fim, há as casas de banho das freguesias, mas o valor a pagar por uma ida à casa de banho é mais alto do que uma cerveja. Custa entre um euro e meio e dois euros. E, na verdade, durante a noite de Santo António, só a da Mouraria e a da Graça estavam aptas. As filas são intermináveis, seja em que casa de banho for, e esgotam a paciência, e a bexiga, de qualquer um. “A pior parte dos Santos é esta, é esperar meia hora numa fila e ainda ter de pagar”, diz Mafalda, que vem todos os anos, mas promete sempre que é a última vez. Do lado dos cafés, “a falta de limpeza é normal, já viu a quantidade de gente que vem aqui e nem consome? Nós não temos tempo para limpar, há sempre gente, e também não têm cuidado nenhum”, diz o dono de um café junto à Mouraria.

Mas há uns lugares especiais. “É fazer chichi a olhar para as estrelas”, dizem a rir. É isso mesmo, a maior parte das pessoas opta por procurar lugares escondidos e por fazer chichi na rua. O cheiro denuncia a prática e os moradores dizem que é a pior parte. “Eu não me importo que venham para cá, é dia de festa, é mesmo para isso. Agora, fazerem estas porcarias na rua, não. Não imagina o cheiro que fica aqui depois”, diz Antónia, que mora nas Portas do Sol – um dos percursos favoritos de quem vai festejar os Santos. Mas nem é preciso esperar até ao dia seguinte para sentir o cheiro, basta passar nessa noite em qualquer rua.

 

Sempre a subir e a gastar

Preparar as pernas e as carteiras é o lema. “Isto é melhor do que ir ao ginásio, só de subir estas escadas vou perder dois quilos”, diz João, que está com mais cinco amigos e já equipado a rigor com um chapéu em forma de caneca de cerveja. Mal começam a subir as escadas para deixar o Martim Moniz fazem a primeira paragem – meio litro de cerveja para cada um e uma bifana.

No Largo dos Trigueiros, que por estes dias se transforma em bar, são dez da noite e já se venderam centenas de sardinhas e bifanas a 2,50 euros cada, com a cerveja a custar um euro e meio. Este grupo de amigos conta gastar durante a noite, pelo menos, 30 euros cada um. A cerveja não é sempre ao mesmo preço – ora custa um euro, ora um euro e meio, ora dois euros, depende do sítio. Se for comprada junto ao palco onde está o habitual senhor a cantar acompanhado por um órgão, então é preciso pagar dois euros. “Contando com tabaco, cerveja, uma sardinha e duas bifanas, não vamos gastar menos. Depois ainda há a parte de ir para casa, o táxi ou Uber”, dizem. Durante a noite, o metro de Lisboa está aberto até às três da manhã, mas a essa hora ainda há música por todo o lado e são poucos os que querem arredar pé.

 

A primeira vez nos Santos

Regra geral, quem é lisboeta já foi pelo menos uma vez aos Santos Populares. Mas há quem experimente a noite de Santo António pela primeira vez – são turistas ou portugueses que fazem centenas de quilómetros só para comer sardinhas e ouvir músicas do Quim Barreiros. Na Graça, o i encontrou André, um jovem de Viseu que veio passar uns dias à capital com os amigos só com o propósito de ir aos Santos. “Isto é incrível, é o que o pessoal quer: cerveja, música e rua, não há nada melhor”, disse o jovem de 27 anos.

Quanto aos turistas, estão em delírio. Começa uma música conhecida dos portugueses e logo todos começam a dançar a coreografia. Lá no meio veem-se dois chineses que, apesar de não perceberem uma palavra, tentam acompanhar os passos. “É um povo incrível e eu nunca tinha comido uma sardinha. O que eu andei a perder”, diz um deles.

No fim da noite, os encontrões são muitos, a paciência já é pouca e o álcool em excesso também não ajuda. No meio de centenas de pessoas há grupos de amigos que se vão partindo, é o habitual. Mas, como se ouve no meio da confusão: “É a única noite em Lisboa em que as pessoas vêm todas com o mesmo objetivo: beber e dançar. É do género do Carnaval de Torres, é beber e dançar até de manhã”.