As ruas de Hong Kong foram este domingo tomadas por uma maré de quase dois milhões de pessoas. As reivindicações pela anulação da legislação que prevê a extradição para o “continente” – leia-se China – de qualquer cidadão suspeito de ter cometido um crime continuam a abalar a cidade. A pressão dos manifestantes levou mesmo Carrie Lam, líder do Governo da região administrativa especial, a emitir um pedido de desculpas.
Lam admitiu “deficiências” na forma do Governo lidar com o processo que levou a “controvérsias e disputas na sociedade, causando dissabores e preocupações entre as pessoas”. “[Lam] pede desculpa ao povo de Hong Kong e promete adotar uma atitude sincera e humilde por forma a aceitar as críticas e a melhorar a forma como serve os cidadãos”, refere a nota emitida ontem pelo Governo.
A lei de extradição foi no sábado suspensa indefinidamente por Lam, depois de na semana passada terem eclodido confrontos entre manifestantes e as autoridades, com estas últimas a reprimirem violentamente os primeiros.
Sem garantias de a lei ter sido mesmo suspensa, os manifestantes voltaram a pressionar o Governo de Lam ao saírem ontem à rua no centro da cidade. Exigiram o fim da violência, e o abandono definitivo da lei. “Adiamento não é cancelamento”, lia-se numa das tantas faixas empunhadas pela multidão em marcha. Muitos dos manifestantes – vestidos de preto – seguravam cravos brancos e letreiros onde se liam “os estudantes não fizeram motins”.
No sábado, Lam recusou-se a pedir desculpa pela violência e hostilizou ainda mais quem protestou nas ruas da cidade, classificando os protestos como “motins organizados”. Esta não é a opinião da diretora da Amnistia Internacional de Hong Kong, Man-Kei Tam, que criticou a brutalidade da resposta policial de quarta-feira: “A polícia aproveitou os atos violentos de uma pequena minoria como pretexto para usar força excessiva contra a grande maioria de manifestantes pacíficos”.
Neste domingo, os manifestantes voltaram a apontar o dedo a Lam e a protestar contra a violência das forças de segurança. Catherine Cheung, manifestante de 16 anos, disse à Reuters, que Lam “é uma líder terrível, cheia de mentiras. Acho que o adiamento da lei é um truque para nos acalmar.” Opinião partilhada por uma outra manifestante, agora de 18 anos: “Suspender a lei, mas não a cancelar é como segurar uma faca sobre a cabeça de alguém e dizer: ‘Eu não te vou matar agora’. Mas posso fazê-lo a qualquer altura”.
O pedido de desculpas de Lam parece não ter convencido quem participa nestes protestos: Bonnie Leung, um dos organizadores da marcha, disse à Aljazeera que o pedido de desculpa não tem qualquer significado e não respondeu a algumas das questões essenciais que levaram milhões de pessoas às ruas, como a atuação das forças policiais na quarta-feira. “O povo de Hong Kong está cansado de ouvir mentiras por parte dos seus representantes. Quanto mais sinceros dizem ser, mais revoltados ficamos. O pedido de desculpas [de Lam] só lançou mais achas na fogueira”, afirmou.
Hong Kong tem um estatuto administrativo especial dentro do antigo Império do Meio, depois de ter sido um protetorado britânico até 1997, quando a soberania foi transferida para a China, sob o acordo “um país, dois sistemas”. O princípio constitucional que deu o estatuto semi-autónomo a Hong Kong foi formulado pelo antigo Presidente chinês, Deng Xiaoping, e deu autonomia legal, económica e financeira, inclusive a independência para formar relações comerciais com outros países, às regiões administrativas.