Mundial feminino. Marta e a velha luta: o mesmo jogo, o mesmo reconhecimento

Considerada por muitos como a melhor jogadora de sempre, a brasileira recusa desde julho de 2018 o patrocínio de qualquer das grandes marcas desportivas e explicou porquê após a partida entre o Brasil e a Austrália: enquanto não lhe pagarem o mesmo que às estrelas do futebol masculino, assim continuará

Desde o dia 7, a França está parada para ver o Mundial feminino. Ok, não será bem assim: por agora, o futebol de senhoras ainda não gera o mesmo interesse que o dos cavalheiros a nível de espetadores ou patrocinadores. E as jogadoras sabem isso: sentem-no na pele a cada jogo… e na conta bancária a cada mês. Mas essa é uma realidade que talvez não venha a verificar-se durante muito mais tempo – pelo menos, não com as discrepâncias que ainda se sentem atualmente.

A discussão é antiga e as reivindicações também. Mas nunca se fizeram sentir com tanta intensidade como agora. Começou logo com a ausência (mais do que anunciada) de Ada Hegerberg, a primeira Bola de Ouro feminina da história e que desde 2017 recusa atuar pela seleção da Noruega, em protesto contra o que considera serem as desigualdades de tratamento da federação do país nórdico para com as jogadoras da seleção feminina em relação aos atletas masculinos. E não apenas nos prémios, mas também nas condições de treino e no reconhecimento para as ligas masculina e feminina.

Antes do início da prova tornou-se viral um vídeo da seleção feminina alemã com uma mensagem contundente. “Jogamos por um país que não sabe sequer o nosso nome”, referem as jogadoras, fazendo questão de lembrar que já foram campeãs da Europa por oito vezes, tendo recebido como prémio na primeira delas… um serviço de chá. “Nunca lutámos só contra as adversárias, mas também contra o preconceito. Não temos bolas, mas sabemos usá-las”, disparam, terminando de forma ainda mais direta: “Não se preocupem, não têm de saber quem nós somos. Só têm de saber o que queremos: jogar o nosso jogo”.

 

O recorde e a campanha E chegamos a Marta – este, sim, um nome que todos conhecem: até aqueles que desdenham de ver mulheres aos pontapés a uma bola. Eleita por seis vezes a melhor jogadora do mundo, e considerada por muitos a melhor praticante de sempre da modalidade no feminino, a avançada de 33 anos voltou a brilhar no relvado: com o golo apontado na partida com a Austrália, de penálti, tornou-se a primeira jogadora a marcar em cinco Mundiais (todos os que participou, de 2003 até agora), chegando também aos 16 golos na prova – algo só conseguido nos masculinos pelo alemão Miroslav Klose.

Mas nem foi por isso que Marta mais se destacou neste encontro – que o Brasil, de forma surpreendente, até perdeu (2-3, depois de ter estado a vencer por 2-0). A jogadora dos norte-americanos Orlando City deu que falar principalmente pelas chuteiras com que se apresentou no relvado: todas pretas e sem qualquer patrocínio, algo raro nos dias de hoje até nas divisões secundárias do futebol masculino.

Havia, obviamente, uma razão para tal. Marta declinou os patrocínios de todas as grandes marcas desportivas por uma razão muito “simples”: nenhuma lhe pagava o mesmo que paga a um futebolista masculino de topo. Nas botas, apenas um pequeno símbolo azul e rosa, referente a uma campanha pela igualdade de género, a “Go Equal”, que rapidamente se difundiu nas redes sociais.

“Brasil-Austrália não é a única rivalidade que as mulheres têm de enfrentar no desporto hoje. […] Bola igual. Campo igual. Regras iguais. Se as mulheres jogam futebol da mesma forma que os homens, por que elas não recebem o devido reconhecimento? O devido apoio? A devida remuneração? Igualdade é algo pelo qual devemos todas e todos lutar. Afinal, somos iguais”, podia ler-se nas publicações da campanha nas redes sociais.

Marta não tem patrocinadores desde julho de 2018. O seu agente, Fabiano Farah, justifica-o precisamente por nenhuma marca aceitar pagar à jogadora o mesmo que paga a atletas homens com as mesmas conquistas e a mesma representatividade – aliás, pagava “menos de metade”. Marta é, de resto, desde esse período, embaixadora global da Organização das Nações Unidas (ONU) para as Mulheres. “É triste ver que ainda é preciso fazer isto. Fazemo-lo para que as próximas meninas possam usufruir de uma qualidade maior de trabalho, de mais opções. Cada vez que há uma oportunidade, temos de mostrar ao mundo que a igualdade é necessária”, frisou a seguir ao encontro.

Esta campanha surgiu quase em simultâneo com um artigo da revista France Football onde era revelado que Neymar, estrela da seleção masculina do Brasil e a mais cara transferência do futebol mundial (222 milhões de euros ao trocar o Barcelona pelo PSG, em 2017) – mas que nunca foi eleito melhor do mundo -, ganha 269 vezes mais do que Marta: qualquer coisa como 90,4 milhões de euros anuais… contra 34 mil. Ada Hegerberg, que atua nos franceses do Lyon – e que desde maio dá a cara pela campanha “#TimeForChange”, da UEFA (um plano de cinco anos, entre 2019 e 2024, em que promete apoiar, guiar e elevar o futebol feminino e a posição das jogadoras na Europa), ganhará cerca de 40 mil euros por época.