No dia da final da Liga das Nações – em que nos sagrámos campeões – Cristiano Ronaldo fez parar o autocarro em que a Seleção Nacional seguia para receber um menino de 11 anos. Eduardo, que padece de uma doença que visivelmente o condiciona bastante, empunhava um cartaz com o pedido ‘Cristiano dá-me um abraço’. No vídeo que correu mundo, vemos a criança a subir ao autocarro e, no momento em que chega ao pé do nosso capitão e se aproxima à espera do seu abraço, este diz «agora vira-te assim», segura-o por trás e posam para as câmaras. O filme é feito, tiram uma série de fotografias, o jogador sorri, pergunta se já está, mais umas fotografias e cada um segue o seu caminho. Sem querer pôr em causa o gesto caridoso e simpático de Ronaldo, não consigo ver ali nenhum abraço. Admiro o Cristiano Ronaldo como jogador e como pessoa. Ao longo do seu inigualável percurso como futebolista tem também revelado um bom coração, ajudando várias pessoas, e mantém alguma humildade, dentro do possível, para alguém com a sua fama e mérito. Sem dúvida que fez aquela criança muito feliz e que será um momento que ela irá reter na sua lembrança para sempre. Mas quando vi o vídeo só conseguir sentir pena do menino que quando se aproxima do seu ídolo, em vez de ser envolvido no seu abraço, é virado de costas e dá o corpo às balas – disparos das câmaras, entenda-se. Aparentemente não voltou a ver-lhe o rosto, parecia um anúncio em que nada é real. Pelos comentários e descrições que li em que todos elogiam o lindo abraço, parece que só eu vi o filme errado ou então há um esquecimento generalizado do que é um abraço – e isso é preocupante.
Os abraços são gestos intensos, que aproximam de forma única duas pessoas. Os melhores são os que são dados de frente, sobretudo a crianças. Aproximamo-las do nosso corpo e deixamos que se resguardem no nosso calor, que se sintam protegidas no nosso conforto, os braços cruzam-se atrás das suas estreitas costas e apertamo-las com firmeza, fazendo com que ambos nos sintamos felizes e seguros. O abraço é tão importante que até já foi cientificamente comprovado como benéfico para a saúde física e mental, até porque liberta ocitocina, conhecida como a hormona da felicidade. Não se pode confundir, de forma alguma, um abraço, que é um gesto tão poderoso e especial, com um posar para as câmaras. E não nos deixemos também iludir de que uma fotografia vale mais do que um abraço, quando é dado com carinho e desejado por ambas as partes.
Devemos abraçar toda a vida os nossos filhos, a pessoa com quem vivemos, os nossos pais, os nossos irmãos, a nossa família, os nossos amigos, todos aqueles de quem gostamos e todos aqueles que nos pedirem para serem abraçados. E não só para apaziguar a dor e a saudade, mas também para partilhar amor e ternura, diariamente.
Um dos meus filhos, o mais traquinas, todas as noites quando já está deitado pede-me um apertado e longo abraço. Possivelmente para repor os níveis de afeto e ganhar coragem para mais uma noite no escuro do quarto e um dia de traquinice. Fez-me agora lembrar também um paciente que acompanhei que tinha cometido várias tentativas de suicídio. No final de cada sessão pedia-me um abraço. Eu sentia que o guardava consigo e lhe oferecia segurança até à sessão seguinte.
E você, quantos abraços já deu hoje?