A expectável morte de Morsi

O ex-Presidente egípcio tinha muitos problemas de saúde. Uma investigação britânica do ano passado já tinha avisado que Morsi poderia sofrer uma morte prematura.

O primeiro e único Presidente democraticamente eleito no Egito, Mohamed Morsi, morreu na passada segunda-feira enquanto enfrentava julgamento por acusações de espionagem para o Hamas, no Cairo. O antigo líder egípcio desmaiou dentro da caixa de arguidos, acabando por falecer mais tarde no hospital, segundo as autoridades do país. Morsi ficará para a história como o primeiro líder eleito por sufrágio universal no mundo árabe.

O antigo Presidente já se encontrava preso há seis anos, depois de um golpe de Estado protagonizado pelo atual líder egípcio, o marechal Abdul Fatah Al-Sisi, em 2013. Morsi tinha um historial de problemas de saúde: diabetes, problemas nos rins e no fígado. «O Governo do Egito tem responsabilidade pela sua morte, por não lher ter fornecido cuidados  médicos adequados ou direitos básicos dos prisioneiros», disse em comunicado a Human Rights Watch, organização não governamental pelos direitos humanos. Foram vários os alertas. Por exemplo, no ano passado, três deputados britânicos denunciaram o mau tratamento do ex-Presidente num relatório para a Comissão Independente das Condições de Detenção, avisando que o antigo líder poderia morrer prematuramente. O documento baseado em testemunhos, relatórios de organizações não governamentais e provas submetidas de forma independente, também indicava que Morsi era mantido em solitária durante 23 horas por dia – uma forma de tortura, de acordo com os deputados.

Morsi não era uma personalidade conhecida ou influente na sociedade egípcia até à primeira eleição democrática em 2012. O ex-Presidente era um burocrata da Irmandade Muçulmana, organização pan-árabe islamita sunita, e cresceu dentro das fileiras do grupo muçulmano sem adquirir projeção nacional. Depois dos protestos da Primavera Árabe, em 2011, que depuseram Hosni Mubarak, o ditador que liderou o país com mão de ferro durante 30 anos, a Irmandade Muçulmana emergiu como a força política mais poderosa do Egito. Boa parte dos eleitores que ocuparam a Praça Tahrir em nome de uma sociedade democrática, secular e liberal, emprestaram os seus votos a Morsi para impedir a eleição do candidato ligado ao regime militar de Mubarak.

No entanto, um ano após a eleição do candidato escolhido pela Irmandade Muçulmana, esses mesmos eleitores tomaram novamente as ruas do Cairo, para protestar contra aquilo que consideravam ser o desvio autoritário de Morsi._Algo que serviu de justificação para Sisi, então ministro da Defesa, liderar um golpe militar para depor o Presidente. O golpe foi prontamente apoiado pelos Estados Unidos, com o secretário de Estado de então, John Kerry, a defender que Sisi estava a «restabelecer a democracia». A resistência dos apoiantes da Irmandade Muçulmana levou ao massacre de centenas de pessoas na praça Rabaa, no Cairo, e à prisão de milhares de apoiantes da organização muçulmana. É estimado que o regime militar liderado por Sisi tenha hoje cerca de 60 mil prisioneiros políticos: «Os membros da Irmandade Muçulmana estão entre os prisioneiros políticos [em] solitária», disse Hussein Baouimi, um investigador egípcio da Amnistia Internacional, à Al Jazeera.

Foram poucas as reações à morte de Morsi. Uma das mais fortes veio da Turquia, pela voz de Recep Tayyip Erdogan: «A história não vai esquecer os tiranos que levaram à sua morte [Morsi], prendendo-o e ameaçando a sua execução», disse o Presidente turco. A Amnistia Internacional solicitou às autoridades egípcias uma investigação imparcial para apurar as circunstâncias da sua morte. Por sua vez, o Hamas prestou tributo ao ex-Presidente, agradecendo a sua aliança à causa palestiniana.