Se há temas que merecem a minha particular atenção, o comportamento das pessoas é um deles. Não deve haver ninguém que não reconheça as alterações mais ou menos acentuadas no relacionamento entre as pessoas, resultantes das diferentes formas de pensar e de agir que têm a ver com as novas orientações que a sociedade nos vai ditando.
Os tempos mudam – e o nosso pensamento, quer queiramos quer não, vai evoluindo e sofrendo os efeitos dessas correntes.
Quando estudei Filosofia, já lá vão muitos anos, lembro-me das dúvidas que se levantavam na abordagem de duas teorias antagónicas: é a sociedade que ‘modifica’ o indivíduo, ou o indivíduo que ‘modifica’ a sociedade? As opiniões dividiam-se nas aulas, não se chegando a nenhuma conclusão definitiva.
A relação médico-doente também tem sido afetada e está hoje muito diferente do que era antigamente. A forma de trabalhar agora exigida aos médicos, roubando-lhes o tempo necessário para olhar e ver o doente à sua frente como seria normal, só por si cria logo barreiras.
Por outro lado, o comportamento dos doentes também já não é o mesmo de outros tempos, sendo notória a desconfiança com que por vezes nos encaram, provocando no médico uma atitude cautelosa e defensiva, impedindo a aproximação entre uns e outros.
As manifestações de afeto entre as pessoas, de um modo geral, têm vindo a perder-se aos poucos – e nesta área, onde isso seria particularmente importante, o panorama não é muito diferente.
A ‘mão na mão’ é sinónimo da nossa solidariedade para com quem sofre – e pode trazer a confiança necessária aos que procuram auxílio. Uma pequena festa, um aperto de mão mais demorado, um sorriso, o pegar numa criança ao colo ou um abraço fraterno é o suficiente para acalmar um doente e ao mesmo tempo a garantia de que ele poderá contar sempre connosco. A minha experiência diz-me isso e os resultados vão-me dando razão.
Todos estamos de acordo quanto à necessidade de vencer o obstáculo desta falta de afeto generalizada que os novos tempos trouxeram consigo – e, aqui e além, já são visíveis sinais dessa intenção.
Cito, como exemplo, uma música bem conhecida dos portugueses, da autoria de Miguel Gameiro, cujo título Dá-me um Abraço fala por si. Segundo ele próprio me confessou, não estava à espera do enorme sucesso que aquele tema lhe proporcionou. Em 2008, após ter visto num filme as pessoas a abraçarem-se num simples gesto de amizade, começou a escrever um conjunto de palavras que, rimando entre si, traduziam ‘coisas tão óbvias que tocam o coração das pessoas’: «Dá-me um abraço/Que seja forte/ E me conforte a cada canto/Não digas nada, que o nada é tanto/ E eu não me importo».
O poema, que viria a oferecer à mãe, foi criando forma e ficou concluído mais tarde – sendo lançado em 2010 num CD que se tornou um êxito memorável.
Miguel Gameiro é um criador artístico de 45 anos que tem dedicado à música grande parte da sua vida. Homem simples, afetuoso, sonhador e cheio de talento, vai contribuindo também para a defesa desta causa. De forma diferente, ambos lutamos contra a falta de afeto que se instalou na sociedade, procurando alertar as pessoas para a importância de nos empenharmos a fundo para que a solidariedade, a confiança, a satisfação, a justiça e a amizade prevaleçam sobre a frieza das relações humanas, a indiferença, o silêncio, o medo e a desmotivação entre os homens.
São precisos abraços que confortem e que transmitam a força de que precisamos. E se nos perdermos nos caminhos da vida e nos deixarmos vencer pelo cansaço, se andarmos longe de tudo aquilo que procuramos, lembremo-nos de que o tal abraço pode estar tão perto e ao alcance de todos nós. Não desanimemos. Pela parte que me toca, ao sublinhar a pertinência do tema, só posso dizer: «Bem-hajas, Miguel Gameiro!».
Aqui fica, pois, o meu forte e sentido abraço.
Luís Paulino Pereira
Médico