As crianças já não sabem brincar

Quando brincamos, somos agentes das nossas bricandeiras, temos de as imaginar para depois as viver. Nos ecrãs, as crianças já têm tudo preparado

Guardo com carinho algumas brincadeiras da infância. Sobretudo aquelas em que conseguia reproduzir contextos próximos do real, como levar as bonecas à praia a tomarem banho no mar, estendê-las na areia ao sol, ou de uma vez em que fiz o quarto perfeito para uma barbie com teto e tudo em casa da minha avó. Sozinha, com amigos ou com a minha tia-avó, brincar era uma coisa que me dava imenso prazer.

Hoje a realidade é outra. Uma vez a educadora de um dos meus filhos desabafou que as crianças já não sabem brincar. No jardim-escola, na altura da brincadeira livre, não basta deixá-las com os brinquedos porque elas não se organizam, não inventam uma brincadeira, ficam à espera que alguém lhes diga o que fazer. Imagino que nem todas – o meu filho de cinco anos, por exemplo, adora brincar. Quando se junta com o irmão de três inventam as brincadeiras mais engraçadas e inesperadas e divertem-se os dois à brava durante horas.

A verdade é que a introdução das novas tecnologias demasiado cedo – e note-se que estes meus dois filhos nunca as usam – habituam-nos a um tipo de entretenimento diferente. Quando brincamos, somos agentes da nossas brincadeiras, temos de as imaginar e criar para depois as viver. Há um primeiro tempo prazeroso em que as preparamos, para depois começar a ação. Nos ecrãs, as crianças já têm tudo preparado e são quase meras espectadoras do que se lhes apresenta.

Sobretudo a partir da entrada no ensino básico, por volta dos seis anos, a maioria das crianças que têm acesso a estas tecnologias deixam de saber brincar, se é que algum dia souberam. Tenho assistido várias vezes perplexa ao que se passa quando os amigos dos meus filhos mais velhos vão a nossa casa passar o dia. Chegam na expectativa dos videojogos, mas como não temos consola em casa digo-lhes para aproveitarem o tempo juntos para fazerem outras coisas, o que deixa alguns deles totalmente desnorteados. Andam às voltas sem saber o que fazer, pegam numa coisa e largam, tudo para eles é entediante. Há crianças que passam 12 horas ou mais em frente a tablets e playstations, por isso é natural que tenham dificuldade em fazer outra coisa.

Acabei por perceber que hoje, quando os amigos se encontram ou quando vão a casa uns dos outros, normalmente é para passarem o dia em frente a um ecrã, seja ele grande ou pequeno.

Só os pais podem inverter esta tendência. Como? Brincando com os filhos desde cedo, com ou sem brinquedos, em bons momentos que promovam a partilha, a curiosidade, a imaginação, a criatividade e a interação. Só os pais podem escolher não oferecer tablets, consolas e telemóveis aos filhos de tenra idade ou, quando o fizerem, que controlem a utilização dos aparelhos impondo regras e limites. Sabemos hoje que brincar é essencial ao crescimento e promove o desenvolvimento emocional, social e cognitivo. O que será de um mundo em que as crianças já não sabem brincar?