Quem passe na Praça Francisco Sá Carneiro, em Lisboa, de carro, transportes ou em passo apressado, dificilmente repara que as simbólicas torres localizadas nos números 247 e 260 da Avenida Almirante Reis não têm as caravelas que originalmente as adornavam no topo. Mas quem mora na freguesia não as esquece e, agora, graças à ação de um grupo de moradores, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) prepara-se para devolvê-las àquela praça, também conhecida como Areeiro.
Foi em 2016 que o grupo Vizinhos do Areeiro procurou, pela primeira vez, esclarecimentos junto da CML. Sem resposta, insistiram.
Só este ano, contudo, é que a autarquia pareceu dedicar-se a sério ao assunto. No dia 28 de março, o gabinete de Urbanismo da autarquia, presidido pelo arquiteto Manuel Salgado, encaminhou ao grupo de moradores uma resposta, remetendo uma carta dirigida pela autarquia à administração do condomínio da torre do número 247 dez dias antes, em 18 de março. «Tendo constatado há já algum tempo o desaparecimento da Caravela (Nau) anteriormente colocada no topo da torre do vosso imóvel, e sendo que nas peças desenhadas dos processos anteriormente licenciados ele figurava, pretendemos saber qual o motivo da sua retirada e quando será possível a sua reposição», lia-se na carta.
Entretanto, em 30 de abril, o Centro de Atendimento ao Munícipe remeteu aos interessados uma carta na qual o vereador Manuel Salgado determinava «a realização dos trabalhos necessários para a reposição dos elementos removidos da fachada dos prédios da Praça Francisco Sá Carneiro, conjunto arquitetónico classificado» e impondo que a construção das ditas caravelas seja feita em ferro forjado.
Carta aberta à procura das caravelas
Mas quando é que os moradores da freguesia deram pela falta das caravelas? Ao SOL, Rui Martins, fundador do núcleo Vizinhos do Areeiro – que pertence à associação Vizinhos de Lisboa -, recorda que «foi em 2016, quando um morador chamou a atenção para a ausência das caravelas». Rui Martins nunca se tinha apercebido, mas consultou algumas fotografias que confirmaram o alerta do morador.
Foi então que, na altura, decidiram colocar «nas portas dos condomínios onde estariam as caravelas uma carta aberta, questionando sobre a localização das mesmas e o porquê de não serem repostas», conta.
Sem feedback, decidiram então recorrer à autarquia, que agora «intimou os proprietários a recolocarem as caravelas de acordo com o projeto», explica Rui Martins. Inicialmente, continua, «a autarquia não encontrou o projeto no seu arquivo, mas no arquivo do arquiteto na Fundação Calouste Gulbenkian conseguiram encontraram uma cópia, na qual são visíveis as caravelas, e enviaram para os proprietários, perguntando porque é que o projeto não estava a ser cumprido», como mostra a primeira comunicação enviada pela CML aos Vizinhos do Areeiro. «É um conjunto arquitetónico classificado e é obrigatório manter o projeto», defende o morador.
Em resposta, recorda Rui Martins, «um dos proprietários justificou que parte da caravela tinha caído, estava danificada e tinha guardado a outra parte. O proprietário do outro prédio não respondeu. Suspeitamos que, ao ver a outra torre sem caravela, o proprietário optou por removê-la».
Um desaparecimento por explicar
Prometida a recolocação das caravelas, um dos maiores mistérios desta história continua por explicar: quando terá tudo acontecido? «Há fotografias que se encontram no Arquivo Municipal de Lisboa que mostram as caravelas no topo – são da década de 40 e 50, quando a praça ainda tinha o escudo de Portugal com as quinas ao centro. Depois, há uma fotografia a cores que parece da década de 70, antes da Revolução, em que os edifícios ainda têm as caravelas», elucida Rui Martins. «Os moradores daqui, aliás, lembram-se de ver as caravelas na década de 70, mas depois desapareceram: há fotografias da década de 80 em que já não se veem caravelas. Algures nessa década terão desaparecido», suspeita.
Apesar da dúvida, o morador aplaude o desfecho, defendendo valor da praça: «A praça do Areeiro representa o apogeu do plano de construção de Alvalade e do Areeiro. Insere-se numa zona de construção de excelência – é uma das melhores zonas de construção urbanística integrada de Lisboa, além da Expo, que é muitíssimo mais recente».
Um história de décadas
A Praça Francisco Sá Carneiro não se chamou sempre assim.
Foi inicialmente batizada de Praça do Areeiro e a sua construção foi aprovada a 30 de dezembro de 1943. À data, Duarte Pacheco era ministro das Obras Públicas e Comunicações, cargo que acumulava também com a presidência da CML. Entre outras, o Bairro do Areeiro foi uma das zonas da cidade que foi planeada durante a tutela de Duarte Pacheco, empenhado na missão de expandir a cidade, que o eternizou além da sua morte.
O bairro foi planeado pelo arquiteto e urbanista João Faria Costa, mas as torres da Praça do Areeiro – cujo conjunto é, hoje, apontado como uma das construções exemplificativas do Português Suave, estilo arquitetónico que marcou o Estado Novo – ficaram a cargo do arquiteto Luís Cristino da Silva, «por se quererem particularmente emblemáticas», recorda a exposição da CML na carta enviada em 30 de abril aos Vizinhos do Areeiro .
O arquiteto desenvolveu um anteprojeto entre 1941 e 1943, mas «o projeto de execução foi finalizado em 1949», tendo a construção do conjunto ficado concluída apenas «em 1955, depois de definido o desenho final da torre central entre 1951 e 1952».
No topo dos torreões, que tinham inspiração medieval, o autor colocou então um dos símbolos da cidade – a nau -, não apenas como elemento decorativo mas com um objetivo prático: servir de cata-vento, indicando a direção do vento, no alto, à vista de todos.
Caravelas desaparecidas, mas não só…
No geral, o património arquitetónico da freguesia «tem sido bem tratado», mas a praça nem por isso, o que tem levado os moradores a reclamar de diversas situações. O que é lamentável, na visão de Rui Martins, porque «a praça é tão simbólica que é o logótipo da Junta de Freguesia do Areeiro: um círculo com cinco vias», referentes às cinco estradas que partem da praça, explica ao SOL. «É uma praça que tem sido abandonada», continua. Um dos problemas é «o estado do piso, que não está adequado», começa por dizer Rui Martins. Mas não só: «Temos dois cais do Metro que estão fechados desde 2008, as obras vão a meio. Onze anos depois, garantem-nos que a obra vai recomeçar em agosto deste ano», revela. Outra queixa é o monumento no centro da praça, que «começa a expor fissuras e já são visíveis ervas. Não só é feio, como com o tempo as fissuras correm o risco de ficar mais graves», alerta Rui Martins. O morador destaca ainda o facto de a praça ter sido invadida por cartazes de propaganda política. «Quantos votos trazem estes cartazes?», questiona. B.D.C.