Será que destacar os problemas enfrentados pelas mulheres na arquitectura (ou em qualquer profissão) pode piorar a sua situação?

Recentemente chamou-me a atenção um artigo escrito pela jornalista Christine Murray sobre as condições de trabalho das arquitectas no Reino Unido. 

Pela especificidade do tema, que me é naturalmente próximo sendo eu arquitecta, e pela curiosidade sobre que dados poderão existir sobre tão pequena amostragem da população trabalhadora feminina, acabei a ler mais artigos sobre esta temática e a questionar, por um lado, se as condições de equilíbrio entre família e trabalho (ou ausência das mesmas) não será uma questão transversal a todas as profissões no feminino ou masculino (que penso que seja) e por outro, a fazer um paralelismo sobre a situação em Portugal.

No Reino Unido, desde 2012 que se promove a campanha “Women in Architecture” (Mulheres na Arquitectura) através das publicações The Architectural Review e Architects’ Journal na senda de melhorar a profissão promovendo a igualdade de género no trabalho, com um inquérito anual que permite aferir dados estatísticos na profissão e vários eventos ao longo dos anos para promover a escolha da profissão junto das gerações mais novas, incluindo um prémio anual que destaca e premeia o trabalho desenvolvido por uma Arquitecta, enaltecendo a participação feminina numa profissão que aparece dominada pelo universo masculino.

Já há oito anos que este inquérito tem vindo a denunciar um “gender pay gap” (diferença salarial entre géneros), existindo um pagamento diferencial de vencimentos no Reino Unido para mulheres e homens na mesma posição em firmas de arquitectura, mostrando consistentemente uma diferença salarial com mulheres a receberem menor vencimento que homens. Em 2018, e com um acumulado de dados já significativo observa-se uma chocante diferença entre homens e mulheres de cerca de 50.000£ para posições idênticas de coordenação de projecto.  

Para além da diferença salarial, também a progressão na carreira é falada ao longo do artigo e curiosamente destaca-se que tem havido um decréscimo do número de mulheres na profissão, o que significa que as mulheres estão a desistir de ser arquitectas, pois continuam a ingressar mais mulheres nos cursos de Arquitectura, que acabam por não exercer ao fim de uns anos. É uma realidade dura de engolir, quando me deparo, desde que comecei a trabalhar, com arquitectas tão talentosas (tanto em Portugal como no Reino Unido, desde juniores a cargos seniores), cuja tenacidade e capacidade de trabalho nunca fariam ninguém questionar o seu género (ou se são mães p.e.) e se por esse motivo estariam “menos” capacitadas para exercer a função em questão. 

Este decréscimo parece estar intimamente ligado com a questão da descriminação positiva. No Reino Unido, têm-se criado muitas protecções ao longo dos anos para beneficiar a maternidade e o apoio à primeira infância. No entanto esses apoios tendem a ser um dos factores causadores desta diminuição de número de arquitectas. Quem conhece ou lida com arquitectos, sabe os quão obcecados muitas vezes são estes profissionais com a sua profissão, estendendo horários de trabalho e dedicando longas horas em busca do desenho ideal. Esta situação acontece com a maioria das profissões do meio criativo e muitas vezes me questiono como se conjuga tudo (família e trabalho/projecto) e se consegue um equilíbrio saudável? As minhas filhas já desenham sobre papel vegetal desde tenra idade, já que lhes calhou na rifa dois pais do meio criativo.

O intrigante é o facto de, apesar de se terem feito muitos esforços no sentido de melhorar a estas condições no Reino Unido, e num momento de auge de igualdade de oportunidades e sensibilização para esta causa, esses benefícios terem actuado no sentido inverso. Ou seja, criou-se uma situação perversa em que se oferecem benefícios a curto prazo que criam “desajudas” a longo prazo que desmotivam as arquitectas de prosseguirem com uma carreira que parece estar condenada à partida – uma delas, citada no artigo, é a criação de soluções de part-time para mulheres com filhos.

Com o intuito de promover o equilíbrio família/trabalho, acabaram por se criar posições laborais, que estão quase exclusivamente alocadas a mulheres e que criam um estereótipo feminino que estrangula (ou dificulta, no mínimo) a possibilidade de progressão na carreira e atribuição de projectos de maior envergadura – e porque aos homens não se oferecem estas posições (sendo seguramente menores os casos em que o “cuidador principal” é o homem) – uma situação que é muito bem-intencionada cria de forma invisível os chamados “gender getthos” (ghettos de género).

Mas também questiono, poderia ser de outro modo? É uma situação que é benéfica para a todos, entre hábitos culturais e a nossa natureza, seria de assumir, naturalmente, que a maioria das mulheres sentir-se-ia confortável nessa posição, e os empregadores diriam que as suas trabalhadoras estariam agradecidas pela possibilidade de dedicarem mais tempo aos filhos. Mas não existe apenas a mãe – cuidadora. Existe o pai. Nem todos os homens procuram uma progressão constante na carreira como também nem todas as mulheres estejam focadas em ficar em casa a tomar conta dos filhos. São estes os estereótipos que se devem quebrar.

Sobre Portugal temos poucos dados sobre as nossas arquitectas, os fornecidos pelo Architects Council of Europe, dizem o contrário para Portugal – tem havido uma subida constante no número de mulheres na profissão. Sobre as diferenças salarias na área da arquitectura nada existe, no entanto na análise feita pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego (CITE) conclui-se que existe uma disparidade salarial, sendo esta maior ao nível dos quadros superiores e profissões altamente qualificadas e habilitações académicas mais elevadas, o que não é uma boa perspectiva.

Um longo caminho ainda teremos de percorrer para equilibrar a relação família/trabalho e eliminar a desigualdade salarial por género – que parece ir no bom caminho com a nova Lei da Igualdade Salarial que entrou em vigor em Fevereiro de 2019 – devendo, contudo, olhar-se para os países que já há mais anos percorrem este caminho e evitar-se cair no extremo oposto, do tratamento estereotipado, com noções de proteccionismo feminino que por vezes não são benéficas para as mulheres. O importante será celebrar a igualdade e promover os bons profissionais.

Por Mariana Morgado Pedroso, Directora-Geral do Architect Your Home