Num desafio declarado aos Estados Unidos, e sob a ameaça de sanções por parte de Washington, a Turquia começou ontem a receber a primeira remessa de componentes de um sistema de defesa antimísseis vinda da Rússia. Ao receber os S-400, Ankara põe tecnologia russa num território da NATO: um movimento sem precedentes. Os Estados Unidos já deram até 31 de julho para a Turquia cancelar a compra.
Washington já avisou que a compra poderá levar a Turquia à expulsão do programa de caças F-35, por considerar que o sistema de defesa recém adquirido or Ankara é incompatível com o sistema S-400. Os americanos temem que os russos tenham oportunidade de obter informações sobre os caças, dando a oportunidade a Moscovo para criar sistemas de defesa que anulariam parte da efetividade dos F-35.
«Esta é a primeira vez que um membro [da NATO] recebeu um sistema de armamento da Rússia. É uma declaração política de que os Estados Unido não têm a hegemonia e o controlo sob os membros da NATO, particularmente sob a Turquia», assinalou Afzal Ashraf, professor de Conflito e Segurança, à Al Jazeera.
Washington tinha alertado constantemente Ankara para não fechar o acordo com Moscovo, ameaçando a aplicação de sanções. Apesar disso, e tendo em conta que a Turquia atravessa uma das maiores crises financeiras dos últimos anos, os turcos não vacilam. Segundo Bülent Turan a compra do sistema antimíssil russo é o resultado «da postura firme da_Turquia» na defesa da sua soberania, afirmou à agência de notícias turca, a Anadolu . Turan é um dos homens fortes do Partido da Justiça, que governa a Turquia e do qual Erdogan é líder.
Uma posição partilhada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros turco, Mevlut Çavusoglu. «Sempre dissemos que em relação ao S-400 que era um acordo finalizado», disse aos jornalistas. O Governo de Ankara considera o sistema antimíssil como uma parte fundamental da estratégia de defesa do país para a fronteira sul, com a Síria e o Iraque.
A aproximação de Erdogan a Vladimir Putin, Presidente russo, e consequente afastamento da União Europeia e da NATO, tem sido gradual. Em 2016, quando Erdogan enfrentou uma tentativa de golpe de Estado, não se sentiu apoiado pelos aliados ocidentais. Segundo disse ao New York Times Diba Nigar, a diretora para o Grupo Internacional para as Crises baseado em Istambul, os turcos sentiram que «o Ocidente fechou os olhos durante a tentativa de golpe, mas que Moscovo foi solidário».
A partir daí, passaram a procurar uma política de defesa mais independente da aliança militar. Sobretudo quando tentaram negociar com Washington a compra de um sistema de defesa equivalente – o Patriot –, nunca tendo chegado a acordo. Um falhanço que levou até Donald Trump a expressar simpatia pela situação turca e a culpar a administração de Barack Obama, após um encontro com Erdogan nas margens da cimeira G20. Uma atitude que, vista à luz dos eventos mais recentes, poderá ter dado a Erdogan confiança para sair impune do acordo com os russos.
A Turquia é membro fundador da NATO e tem o segundo maior exército da aliança do Atlântico Norte. A sua posição geoestratégica é fundamental tanto para a NATO em si, como para Washington, que é um aliado histórico de Ankara. Dada a sua posição geográfica, a Turquia é uma das balanças na encruzilhada da Europa e da Ásia, partilhando o Mar Negro com a Rússia. Uma posição que Ankara está pronta para explorar mais afincadamente.