Kyriakos Mitsotakis. A suposta ‘nova estrela’ vinda dos velhos clãs

Na Grécia, a política é um assunto de família, sobretudo para os Mitsotakis. O novo primeiro-ministro é irmão, filho, neto e bisneto de altos dirigentes – mas isso não o impede de criticar o nepotismo e gabar a meritocracia. Ao mesmo tempo, mostra-se centrista – mas lidera um partido que troca ideias e dirigentes políticos…

O novo primeiro-ministro grego, o conservador Kyriakos Mitsotakis, de 51 anos, herdeiro de uma das dinastias políticas mais antigas e bem estabelecidas do país, tem sido saudado por parte da imprensa internacional como uma lufada de ar fresco. «Um vislumbre de esperança», lê-se no Wall Street Journal, enquanto o jornal alemão Die Welt fala numa «nova estrela do povo». O analista financeiro formado em Harvard, filho de um ex-primeiro-ministro, irmão de um antiga presidente da câmara de Atenas e tio do próximo autarca da capital não aparenta ver no seu pedigree qualquer contradição com o seu discurso de defesa da meritocracia, contra o nepotismo profundamente enraizado no país. «Julguem-me pelo meu currículo, não pelo meu nome», insiste. Mas é isso que têm feito os críticos do novo primeiro-ministro, que – por mais que este prometa «novos e bons empregos», «melhores salários e pensões mais altas» – teimam em não esquecem os 15 mil postos de trabalho na função pública que Mitsotakis eliminou quando foi ministro, em 2014. «Quando [Mitsotakis] fala em reformas… implica sangue humano… ele despediu pessoalmente milhares», afirmou à CNN o líder dos ex-radicais de esquerda do Syriza, Alexis Tsipras – que perdeu o posto de primeiro-ministro para o candidato da Nova Democracia. Mitsotakis reconheceu o peso desse passado de aplicação de medidas de austeridade, notando: «Cada vez que falamos de reformas com gregos, a primeira coisa que vem à cabeça são aumentos de impostos e cortes de pensões». Os apoiantes do líder do Nova Democracia defendem que o seu posto de ministro em 2014 foi um cálice envenenado, e que as medidas eram inevitáveis. Questionado sobre o assunto, em 2016, durante a sua campanha para a liderança do Nova Democracia, Mitsotakis afirmou que «as demissões foram uma decisão política difícil», mas necessárias por ser tratar de um «compromisso do Governo». Às alegações de evasão fiscal que o perseguem e à sua mulher, Mareva Grabowski-Mitsotakis – uma ex-executiva do Deutsche Bank nomeada no escândalo Paradise Papers –, Mitsotakis respondeu que estava separado da mulher na altura, não tendo nada a ver com quaisquer contas em paraísos fiscais, enquanto esta afirmava «não estar a par da legislação específica que se aplica nas Ilhas Caimão», segundo o jornal Kathimerini, citado pelo Euobserver. Algo que não impediu o agora primeiro-ministro de promover uma agenda de tolerância zero quanto à corrupção.

 

Assuntos de família

Quem olhe de relance sobre uma lista de antigos chefes de Executivo e ministros gregos, notará de imediato a repetição de apelidos como Papandreou, Karamanlis ou Mitsotakis. Não se trata de serem nomes comuns ou sucessivas coincidências, mas sim de um espelho fiel das dinâmicas quase tribais – e frequentemente endogâmicas – da política grega. Se o PASOK – que na prática passou à irrelevância política com a aplicação da austeridade – foi a fundado pelos Papandreou, o Nova Democracia sempre foi o feudo da poderosa dinastia Mitsotakis-Venizelos, que pode traçar a origem da sua influência até ao século XIX. A família estabeleceu a sua primeira base de poder na ilha de Creta, sob alçada de Eleftherios Venizelos – considerado por muitos «o pai da nação», juntamente com Konstantinos Karamanlis. Venizelos destacou-se na luta pela expansão da Grécia, face à decadência do império otomano, e foi eleito oito vezes primeiro-ministro, entre 1910 e 1933.

O pai de Kyriakos, o ex-primeiro-ministro Konstantinos Mitsotakis, estava ligado ao «pai da nação» de ambos os lados da sua família, tanto através da sua avó paterna, que era irmã de Venizelos, como da sua mãe, que era prima em segundo grau. Os descendentes de Konstantinos espalharam-se por todas as esferas de poder político, desde a sua filha mais velha, Dora Bakoyannis – que passou da Câmara de Atenas ao Executivo de Kostas Karamanlis –, ao filho de Dora, Costas Bakoyannis, eleito presidente da Câmara de Atenas. Agora, perante um Governo liderado por Mitsotakis, a Grécia parece voltar a estar nas mãos das velhas elites de sempre – acusadas de dirigir o Estado grego à bancarrota.

 

A velha guarda à espreita

Mitsotakis procurou modernizar o Nova Democracia, prometendo governar com pessoas da sua geração ou mais novas e apresentando-se como o candidato da mudança – apesar da sua árvore geneológica. Mas se Mitsotakis se tenta afirmar ao mundo como um centrista moderado, o seu partido é tudo menos isso, tendo virado fortemente à direita nos últimos anos, em resposta ao crescimento de partidos como a Aurora Dourada – que apesar das frequentes referências neonazis chegou a ser o terceiro partido mais votado nas eleições de setembro de 2015, mas em 2019 ficaram abaixo do limite de 3% necessário para entrar no Parlamento. Não terá sido alheio às grandes perdas da Aurora Dourada a livre circulação de propostas políticas e quadros entre os nacionalistas e o Nova Democracia. Como é o caso do vice-presidente do novo partido de Governo, Adonis Georgiadis, nomeado por Mitsotakis após uma transferência recente do partido de extrema-direita Concentração Popular Ortodoxa (LAOS) – formado por ex-dirigente do Nova Democracia, George Karatzaferi. Adonis chegou a ser ministro da Saúde no Governo do antecessor de Tsipras, Antonis Samaras – que hoje é o grande representante da velha guarda do Nova Democracia, que voltou a ganhar cada vez mais destaque dentro do partido. Apesar de boa parte dos gregos não esquecerem do seu papel na gestão da brutal crise grega.