É bem verdade que a perspetiva do futuro nos permite fazer planos e ter sonhos. Sem essa esperança, sem a possibilidade de um futuro, o presente, só por si, não faz tanto sentido. Mas, viver só em função de objetivos e de sonhos de futuro, impede-nos de aproveitar o momento presente, porque nos deixa uma sensação de estarmos a correr para algo que poderá ou não acontecer. Nas palavras de Cláudia R. Sampaio: «Também me custa sobreviver a estes dias, / mas o que ainda não chegou / é infinito». Ora, essa possibilidade infinita impede-nos, muitas vezes, de bem aproveitar aquilo que, a cada momento, nos acontece, seja causado pelos outros ou por nós próprios; impede-nos de bem perceber as transformações que, minuto a minuto, segundo a segundo, acontecem em nós.
Todos os dias da nossa vida são importantes. Todos os momentos que vivemos fazem parte de nós, da nossa história, daquilo que somos. É o que nos acontece e o que fazemos acontecer que nos vai transformando naquilo que realmente somos, e que também contribui para o que gostaríamos de ser. Só uma plena consciência de nós e dos outros nos permite realmente viver e, sobretudo, ser. Só o presente é real porque só o presente está a acontecer. E é por esse motivo que temos de o aproveitar e de, conscientemente, não desperdiçar cada momento.
É curioso que presente também signifique oferta, prenda. Porque cada dia é uma dádiva, é um presente que recebemos, é uma prenda que a vida nos dá.
E o dom da vida, se é verdade que o herdamos dos nossos pais, a partir do momento em que nos é dado, passa a ser uma responsabilidade nossa, somos nós que temos de saber estar à altura desse presente que recebemos e que temos de saber usar.
Viver hoje é efetivamente viver, porque não se pode, obviamente, viver o ontem nem o amanhã. Viver hoje é a única possibilidade que temos. E sem essa consciência acabamos por desperdiçar tempo, por seguir anestesiados por uma vida falsa, sem saber bem o que nos faz correr, sem percebermos aquilo que nos faz procurar o que não temos.
Diz Tolentino Mendonça: «A vida é fluxo, circulação espantosa, sucessão no aberto. A vida é interminável ação de nascer. Há um paciente e necessário trabalho a realizar para passar da tentação de fixar a vida em momentos determinados, cristalizando-a em imagens tanto euforicamente utópicas como desalentadamente distópicas, à capacidade de hospedar a correnteza da vida como ela nos assoma, o que requer de nós um amor muito mais rico e difícil. (…) O importante é assim saber, com uma força que jorra do fundo da própria alma, se estamos dispostos a amar a vida como esta se apresenta e não como a fantasiamos».
Sabendo que a «vida é fluxo», é-nos muito mais fácil «amar a vida como esta se apresenta», como esta nos acontece. Importa, pois, ter esta consciência de que tudo muda, de que a vida muda, de que o universo está sempre a mudar.