Nas últimas semanas muito se tem falado na Lei de Bases da Saúde, que alguns consideram essencial para a tão necessária reestruturação do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
A comunicação social não perde uma oportunidade, por mais pequena que seja, para abordar o tema, embora a opinião pública não saiba propriamente do que se trata e acabe por meter tudo no mesmo saco, criticando a saúde tal como está pelas inúmeras deficiências constatadas.
Se defendermos a posição de que só com uma nova Lei de Bases se pode partir para a remodelação do SNS, então não há mesmo nada a fazer enquanto ela não for promulgada pelo Presidente da República. Mas se quisermos olhar para o problema desapaixonadamente, com isenção e transparência, temos de admitir que não é bem assim. A lei anterior é de 1990 e não foi por falta de atualização ou pela ausência de uma nova legislação que o SNS está como está.
O serviço público de saúde em Portugal chegou ao que chegou apenas por falta de investimento, em especial por imposições orçamentais, que têm impedido a sua completa reestruturação.
Há algumas semanas, o categorizado e conhecido comentador televisivo Dr. Marques Mendes colocou o dedo na ferida e desmistificou a questão. Prático, objetivo e sem rodeios, como é seu estilo, aquele experiente jurista não podia ter sido mais explícito: «Não tem havido investimento». Por outro lado, também na Ordem dos Médicos se levantaram vozes no mesmo sentido, ou seja, retirando o peso à Lei de Bases e colocando o acento tónico no indispensável investimento.
Mesmo assim, é bom reconhecer que o nosso tão querido SNS tem resistido estoicamente às inúmeras ‘agressões’ de que tem sido vítima, e continua a dar a resposta possível – quando muitos já o davam por liquidado. Mas é preciso intervir. E rapidamente. É preciso acudir ao edifício antes da derrocada; e, neste caso, a derrocada pode começar pela falta de resposta.
As ameaças são visíveis. Não falando já de questões remuneratórias (nada aliciantes) nem das instalações desadequadas, sem infraestruturas básicas onde proliferam programas informáticos ultrapassados e obsoletos, o que dizer da falta de pessoal? E das carreiras congeladas? E das listas de espera cada vez maiores para uma consulta hospitalar? Quanto tempo temos de esperar por uma cirurgia? E porquê hospitais e centros de saúde estão mais afastados uns dos outros? Por que acabou com o regime de exclusividade para os médicos que quisessem optar por ele? Tudo isto é consequência do desinvestimento a nível do SNS, percebendo-se facilmente que investir é fundamental e urgente. E apostar numa legislação adequada, que traga consigo normas orientadoras em vez de politização em função de acordos partidários.
A minha experiência da bata branca e de ‘ex-gestor’ diz-me inequivocamente que o Serviço Nacional de Saúde deve continuar nas mãos do Estado. Sou a favor de um Estado forte, competitivo e corajoso, o que não significa que não tenha de ser também inteligente e cauteloso para perceber quando e como deve pedir auxílio ao setor privado – caso não seja capaz de, por si só, assegurar por completo a gestão da saúde.
Quem me dera que a saúde dos portugueses estivesse só nas mãos do Estado; mas, como é por todos reconhecido, essa meta é muito difícil de atingir. O apoio do setor privado é inevitável, cabendo ao Estado fiscalizar esse apoio, de modo a não fazer da saúde um negócio para alguns, onde o lucro é a palavra de ordem. Estão em causa seres humanos – e uma das conquistas mais importantes de sempre, como é o Serviço Nacional de Saúde. Esta luta é de todos nós, pelo que ninguém deve demitir-se de dar o seu contributo, nem pensar que o assunto não lhe diz respeito.
Governos, funcionários e utilizadores do SNS têm de se entender, custe o que custar. Caso contrário, com ou sem Lei de Bases, a saúde continuará a ser a tal casa muito bonita, onde vive gente, mas onde falta o pão. E casa onde não há pão…