Já não é a primeira vez que o Executivo brasileiro ameaça criminalizar os jornalistas do Intercept. O Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, sugeriu que Glenn Greenwald poderia ser preso. Greenwald é o editor norte-americano do site Intercept, responsável pela divulgação das mensagens entre Sérgio Moro – então juiz – e os magistrados da equipa de investigadores da Operação Lava Jato, que mostram possíveis ilegalidades na condução do caso de corrupção.
O jornalista não hesitou, e respondeu a Bolsonaro pelo Twitter: “Ao contrário dos desejos de Bolsonaro, ele não é (ainda) um ditador. Ele não tem o poder de ordenar pessoas presas [sic]. Ainda existem tribunais em funcionamento. Para prender alguém, tem que apresentar provas para um tribunal que eles cometeram um crime. Essa evidência não existe”.
As afirmações de Bolsonaro foram feitas no passado sábado, um dia depois da prisão de quatro pessoas suspeitas de terem roubado informações do telemóvel de Moro. Além da ameaça de detenção, Bolsonaro ainda acusou o jornalista de “malandrice” por se ter casado com o deputado federal do PSOL (que na segunda volta para a eleições apoiou Fernando Haddad, contra Bolsonaro) David Miranda, com quem tem dois filhos. O Presidente falava numa entrevista em que se referiu à legislação na passada sexta-feira publicada por Moro – que é seu ministro da Justiça. A lei prevê a deportação de estrangeiros “perigosos” que tenham praticado um “ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”.
Bolsonaro explicou que, infelizmente, Greenwald não se enquadra na legislação: “Ele não se encaixa na portaria. Até porque ele é casado com outro homem e tem meninos adotados no Brasil. Malandro, malandro, para evitar um problema desse, casa com outro malandro e adota criança no Brasil. Esse é o problema que nós temos. Ele não vai embora, pode ficar tranqulo. Talvez pegue uma cana aqui no Brasil, não vai pegar lá fora não”. Note-se que Greenwald é casado com Miranda há mais de 14 anos, vivendo no Brasil desde essa altura.
O editor do Intercept acrescentou que, apesar de o Governo não ter poder para o deportar, ele poderia sair do Brasil voluntariamente, mas que não o fará porque quer “defender a democracia do país” dos seus filhos. Greenwald tornou-se conhecido por ter sido um dos jornalistas que, através do famoso whistleblower Edward Snowden revelou milhares de documentos confidenciais da NSA, a agência de segurança nacional norte-americana.
Tendo em conta as várias ameaças de que tem sido alvo (de morte, inclusive), o jornalista traçou uma comparação entre este caso e o de 2013: “Durante a época de Snowden, quando os governos dos EUA e do Reino Unido ameaçaram implicitamente os jornalistas e editores que reportaram [o caso], praticamente toda a mídia – de todas as ideologias -, se uniu em defesa de uma imprensa livre. Eu me pergunto se isso vai acontecer aqui”.
A portaria publicada pelo ministro da Justiça recebeu o número 666: o número da besta. A norma prevê a deportação sumária de estrangeiros suspeitos de terrorismo, de integrar organizações criminosas, de tráfico de droga, de pessoas ou armas de fogo. Além disso, a norma também se a aplica a suspeitos de pornografia ou exploração sexual infantil. A lei prevê a deportação (ou impede a entrada) de estrangeiros suspeitos de praticar tais atos, em 48 horas, mesmo que não exista condenação. Antes desta norma, as autoridades tinham que esperar 60 dias para deportar os suspeitos.
A lei está a ser considerada inconstitucional por várias entidades brasileiras e muitos acusam que a legislação visa diretamente Greenwald. O jornalista não hesitou em classificar a legislação de “terrorista”. Para a Defensoria Pública da União – uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado brasileiro – , a lei viola a Constituição e diversas legislações sobre o direito migratório. A Associação de Juristas pela Democracia, disse que a portaria incorre num “desvio de finalidade” e “promove a intimidação”. Para o Partido Trabalhista, de Lula da Silva, a portaria é “uma ameaça e uma afronta de um ministro da Justiça que usará poderes políticos para calar vozes da oposição”.
Por outro lado, o Ministério da Justiça defendeu que a lei já estava prevista e que faz parte da “rotina dentro do ministério”. E Moro advogou pelo Twitter que a legislação é comum pelo mundo fora: “Nenhum país do mundo, tendo conhecimento, permite que [um] estrangeiro suspeito de crime de terrorismo ou membro de crime organizado armado entre em seu território”.
*texto editado por Cláudia Sobral