Em mais uma parede, o Velho do Restelo afirma: «A criança é a máscara do velho…». E, quando somos jovens, pensamos nos velhos como tendo existido desde sempre. Como diz Drummond de Andrade sobre os velhos: «Todos nasceram velhos – desconfio. / Em casas mais velhas que a velhice, / em ruas que existiram sempre – sempre / assim como estão hoje / e não deixarão nunca de estar».
Realmente, pode-se dizer que a criança é a máscara do velho tal como se poderia dizer que o velho é a máscara da criança, porque todos, quando nascemos, caminhamos para a velhice. Caminhar na vida é aproximarmo-nos, a passos lentos, da morte. E esta é a única certeza que temos, a de que um dia iremos morrer. Mas, naturalmente, não queremos pensar nesta ideia, e procuramos mantê-la afastada dos nossos pensamentos, porque não queremos aceitar que um dia iremos deixar de existir.
Ser criança é não pensar na vida. De igual modo, ser velho é não querer pensar na morte. E é esta nossa recusa em pensar no amanhã que nos faz correr tanto e, muitas vezes, investir tempo e dinheiro em gestos e objetos que nada valem.
A velhice é, pois, o caminho para o qual a criança caminha; é a sua evolução natural. E estas duas fases da vida, como quaisquer outras, têm, naturalmente, aspetos positivos e outros de que não gostamos tanto.
É na infância que estruturamos a nossa personalidade. É na infância que aprendemos o que é a vida, o que é o mundo, o que são os outros. É na infância que brincamos e, assim, ensaiamos os comportamentos de adultos. E é na infância também que nos divertimos sem demasiada consciência.
Uma criança é capaz de brincar durante longas horas, esquecendo-se de comer, teimando em não dormir, aproveitando verdadeiramente o momento, usufruindo do prazer de fazer algo de que se gosta.
Ao longo da vida vamos perdendo esta capacidade e esquecemo-nos, por vezes, da alegria de viver, de fazer aquilo de que realmente gostamos. Perdemo-nos nos deveres de trabalho, da família, dos compromissos. E, muitas vezes, só mais tarde na vida, quando a família já não necessita de cuidados diários, e quando já não é necessário trabalhar, é que retomamos os gostos da infância ou da juventude.
A liberdade que a vida vai concedendo, à medida que nos sobra menos tempo de vida (o que não deixa de ser irónico), permite-nos voltar a focar no essencial, aproveitando o tempo da melhor forma possível e realizando sonhos que, ao longo da idade adulta, não conseguimos concretizar.
A velhice, com saúde, é, pois, a idade da recuperação da infância perdida e é a idade em que, com maior consciência, o ser humano percebe o que realmente importa. Como refere Bagão Félix, numa crónica: «Ser ancião começa por significar a idade em que, na pessoa humana, o ser assume, em definitivo, primazia sobre o ter e o tão só estar».
O Homem deixa de estar na vida e passa a ser aquilo que realmente é, aquilo que, muitas vezes, não conseguiu ser, ou aquilo que não teve coragem de ser mas sempre desejou.
E esta vantagem, aliada à experiência, torna os mais velhos pessoas de enorme valor. Infelizmente, nas sociedades atuais, esta importância não é, frequentemente, reconhecida. Mas, se pensarmos nas tradicionais sociedades, nas que existiram antes de nós e nas que existem ainda em África e na Ásia, verificamos que os anciãos são a grande riqueza da sociedade, representando sabedoria, e reunindo a admiração de todos. Como disse Platão: «A maturidade é uma ave que levanta voo ao cair da tarde»…
E, acrescenta, na mesma crónica, Bagão Félix que: «Não nos podemos dar ao luxo de desperdiçar os importantes recursos não monetários (e sempre renováveis) de que os mais velhos dispõem e que não se aprendem em manuais porque só pela vida se adquirem: a sabedoria, que não o simples conhecimento; o testemunho que não a mera experiência; a memória que não somente o registo dos factos; a seriedade despojada da agressividade do quotidiano; o carisma, dom forjado na vida; a reconciliação que não se confunde com resignação ou omissão; a disponibilidade de um tempo mental onde conta mais a solicitude e a paciência do que o rodar físico dos ponteiros; a partilha, essa conjugação desinteressada do dar sem quitação e sem exigência de troca; a ternura onde não há hierarquias perversas de afetos; a persistência como fonte inesgotável de saber e de ser. Enfim, a vida entre o património da memória e a esperança da eternidade.»
As máscaras que vamos usando ao longo da vida, desde a infância até à velhice, vão-nos bloqueando a capacidade de ser…
Maria Eugénia Leitão